Quando o tema é a homossexualidade e o interlocutor é alguém religioso, salta logo como uma mola a palavra pecado. Palavra usada como uma espécie de argumento peso-pesado, sem possibilidade de contestação.
Pecado? Mas, o que é o pecado?
A tradição judaico-cristã coloca-nos perante o conceito de pecado em dois níveis.
Primeiro, ensina que todos nascemos inerentemente pecadores. O que significa que somos incapazes de sermos perfeitos em pensamentos e acções. Ou seja, carregamos a culpa de todos os dias sermos uns falhados. (“Pede perdão a Deus, que se não sabes o porquê, Ele sabe”)
Segundo, existe o pecado consciente, propositado. Trata-se de em termos simples, ofender a Deus por não cumprir as suas leis. Esse tipo de pecado pode ser evitado ou quando cometido, perdoado, se existir arrependimento e penitencia.
Como se sabe o que é pecado? Para todas as denominações cristãs, existe um consenso de que a Bíblia contem o conjunto de princípios e leis que definem que pensamentos e acções constituem pecado. Mas, a noção de pecado também tem uma lógica por detrás. O crente aceita-o por que crê na autoridade de Deus. Mas, também existe uma razão para que algo seja classificado de pecado. Por exemplo, peguemos nos mandamentos “Não matarás, não roubarás ou não cobiçarás”. Trata-se de acções (no caso dos primeiros dois) e pensamentos (o terceiro) com os quais podemos prejudicar o bem-estar e os direitos de outros. Tem lógica.
Então, voltemos ao início.
Tem lógica classificar o homossexualismo como pecado? A essência do pecado tem algo a haver com a homossexualidade? Que razões podem ser invocadas para que alguns respondam sim a estas questões?
(Estas questões não são colocadas de maneira inocente. Desde que comecei a sentir a minha tendência homossexual que começou a existir um conflito dentro de mim. Um conflito brutal, que chegou a ter contornos auto destrutivos. Assim, quando comecei a admitir perante o meu espelho, e aqui, perante quem lê o meu blogue, sabia que não podia fugir a esta “viagem” ao centro das minhas crenças.)
Tudo começa e acaba com a questão: Porque raio a homossexualidade é pecado? Que razão válida existe?
Comecemos pelo princípio. O que dizem os textos sagrados? No Antigo Testamento havia orientação clara para aplicar a pena de morte a quem praticasse o homossexualismo. Existe o relato da destruição de duas cidades, Sodoma e Gomorra, directamente por Deus ao enviar fogo e enxofre do céu, devido á pratica generalizada do homossexualismo. No Novo Testamento, não encontramos nas palavras de Cristo referência directa a este assunto. Mas, S.Paulo em algumas de suas epístolas (Romanos, 1 Coríntios e a 1 Timóteo) e S.Judas, condenam o homossexualismo e argumentam que irão ser punidos eternamente, a não ser que mudem.
Assim, usando citações bíblicas, a homossexualidade é encarada como um pecado. Um pecado que merece a morte. Mas, falta algo. Falta esclarecer uma coisa. Para que tivesse a força da lógica é necessário responder á questão: quem sai prejudicado por uma pessoa ser homossexual?
Bem, se alguém á força obrigar a outros a praticar o homossexualismo, isso teria lógica para ser classificado de pecado. Mas, e quando duas pessoas, adultas, se sentem atraídas uma pela outra, e, sem incomodar a terceiros, querem desenvolver laços afectivos, onde está o pecado? Onde está o prejuízo? Onde está a lógica para essas pessoas merecerem uma morte eterna?
Em alturas que coloquei academicamente esta questão, escutei respostas deste tipo: "É contra o padrão normal de Deus”, “ Ele deu uma Eva a Adão e não outro Adão", "Se o homossexualismo fosse normal, acabava a humanidade, pois não existia o nascimento de filhos" ou "Pode ser um mau exemplo para outros se for permitida a sua prática". (Bem, bem, bem!)
Ser o padrão normal um homem coabitar com uma mulher, não responde á questão. Porque então também seria pecado alguém ficar solteiro…
E a questão de não nascerem filhos num relacionamento homossexual é patético… Então seria igualmente pecado um casal heterossexual não ter crianças. (Não, não tem lógica…)
Do possível mau exemplo, nem me vou dar ao trabalho de refutar para não ofender a inteligência de quem está a ler este texto. (Como se casamentos heterossexuais tivessem a aura de santidade com a sua exemplaridade…)
Assim, apertando o cerco da lógica, a ultima defesa do crente é: "Na Bíblia o homossexualismo é condenado por Deus. Se lá está, temos que obedecer. Ponto final. Eu por mim, até tenho pena deles, mas está escrito…"
(Beco sem saída)
De facto, as passagens bíblicas que mencionam a condenação do homosexualismo não tem muita margem para serem classificadas de simbólicas. Estão num contexto bem literal. Para quem tem na Bíblia o seu seguro contra a incerteza da vida e da morte, não é muito confortável admitir que uma pequena parte dela possa ser posta em causa. O que se diria do restante? Entre sacrificar a hipótese da sua salvação e o direito a outros serem diferentes… O sentido de sobrevivência dita a opção. É como que dizer: “Isto está lá escrito, eles que desenrasquem-se…”
Pois, eu comecei a pensar da mesma maneira. A homossexualidade ser condenada como um pecado digno de fogo e enxofre não tem lógica que a sustente. Quem não entende isso que se desenrasque….
Algumas igrejas cristãs vão-se sentido desconfortáveis com estas passagens, que dão uma visão redutora e retrogada. Cada uma vai resolvendo o assunto á sua maneira. Sinceramente, ainda não me debrucei sobre que argumentos doutrinais algumas delas usam para até ordenar alguns membros do clero que assumem publicamente a sua homossexualidade. Algumas, temperam o assunto com o ilimitado amor de Deus. Ainda algumas fecham simplesmente os olhos e dizem que nem tudo o que está escrito deve ser levado a sério. Outras enfatizam que desde que não haja a prática não há o pecado. Claro, que outras continuam no seu caminho fundamentalista.
Mas, continua o dilema para quem sinceramente crê nas Sagradas Escrituras como Palavra infalível.
Tudo o que lá está é verdade absoluta e estamos a ser traídos pelos nossos sentimentos, e a continuar a pecar vamos todos para o inferno?
Existem partes que não devem ser levadas tão a sério? Se assim, como saber quais são? Serão simbólicas á medida da nossa conveniência?
Ou simplesmente este histórico livro foi fruto da mente humana, limitada assim pela sua sabedoria e tempo de escrita?
O que sei é que cada um terá que encontrar uma resposta para seguir o seu caminho e ter paz. Creio que quem assume a sua homossexualidade não tem que obrigatoriamente descartar a existência de Deus. Muitos que foram afastados da sua igreja por viver a sua sexualidade, continuam a ter fé e desejar praticar a sua crença. É fácil ver na Internet grupos de homossexuais que continuam a se identificar com uma religião que não os aceita como tal.
Esta questão pode parecer infantil e desnecessária para quem não acredita ou dúvida da existência de Deus. Eu sinceramente, neste preciso momento, não sei que dizer sobre isso…
A fé não discuto. Quando muito, escuto e falo. É um património pessoal que cada um tem o direito de ter e ser respeitado. Nem necessita provar a outros o porquê de acreditar no que acredita. É a sua prorrogativa.
Apenas desejo reflectir nas reais razões que existem para que alguns queiram destruir a vida de quem não nasceu como os outros e apenas deseja ser feliz. Que não deseja prejudicar ninguém, apenas ter direito a amar e ser amado. Terá lógica aceitar uma lei que não tem a lógica a suportá-la?
Como já disse, para quem foi criado com valores religiosos e os considerou importantes durante muito tempo, esta viagem é um caminho que tenho que fazer.
Forçosamente. Leve-me a estrada onde levar.