Subi a serra com aquela impaciência característica de quem não aguenta muito até reencontrar uma velha amizade; por fim, e apesar de parecer que todos os carros à minha frente andavam mais lentos do que o habitual, esses pesados minutos escoaram-se.
Inspirei devagar. Mais por insistir em fazer deste um momento especial do que por real cansaço. Sabia que voltaria a deslumbrar-me com tiques de ingenuidade ao transpor aquela porta rotativa. Sabia que voltaria a enganar-me no atalho para assim deambular ainda mais dentro deste castelo mourisco. Dentro de um espaço onde sei o que é o tempo sem tempo. Coisas de uma terra chamada Sintra.
Nunca dispenso uns minutos a sós com a pequena igreja românica de onde inicio a etapa que me leva a calcorrear alegremente os degraus das muralhas já meio devorados pelo tempo. Ao atingir este patamar elevado, sinto-me imbuído daquela inigualável sensação de felicidade arejada e livre, mesmo que seja fugaz. Mas, para a que a ocasião seja mais-que-perfeita tenho que ir ao meu local predilecto, onde, apenas com as nuvens como testemunhas, assumirei ser uma espécie de semideus, a olhar para baixo, para a humanidade espalhada por aquela enorme mancha esbranquiçada.
Penso. Se pudesse congelar este preciso segundo, quantas histórias...
Quantas pessoas empenhadas nas suas rotinas fatigantes, uns apenas para sobreviverem, outros nem sabendo porquê; quantos choros, uns contidos e secretos, outros soluçados a plenos pulmões; quantos projectos em embrião, uns para o sucesso, outros para o fracasso; quantos a tentar salvar vidas, e outros a esmigalhá-las displicentemente; quantas esperas por quem ou chega na hora, ou chega tarde ou nunca chegará.
Pressas, multas, desencontros, alegrias, quedas, portas encravadas, ódios, acidentes, sorrisos, compras e dores de barriga.
Teria de tudo e mais alguma coisa neste segundo congelado no tempo.
Volto a mim. Ninguém olha para cima, para o castelo, e sabe que lá estou a observar e inventar.
…
Serei mesmo um grande estúpido e consequentemente alguma coisa está a escapar ao meu entendimento ou serei mesmo o único que acha que existe algo terrivelmente errado no sentido deste mundo?