quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Uma teoria
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
O sol é minha testemunha
Por um instante pensei se seria de facto o mesmo sol que brilha sobre aquelas pessoas que tenho visto abundantemente nos noticiários. Aquelas pessoas que sofrem e aquelas cujo sofrimento já acabou depois de muito agonizar. Vivemos realmente debaixo do mesmo sol, no mesmo planeta, separados apenas por algumas horas de avião?
Será que esse país chamado Haiti fica de facto neste mesmo planeta em que eu vivo ou serão imagens de outra galáxia, onde a estupidez, a maldade e o sofrimento são imutáveis leis físicas?
O meu pensamento saltou então para a palavra crise. Crise. Chavão tão de moda no nosso país. Desintegrou-se, derreteu-se, evaporou-se, implodiu. Perdeu todo o seu sentido perante o que vejo na televisão. Se escuto mais alguma vez um português dizer, com ar atormentado, que estamos em crise, juro que fico com uma vontade de lhe dar um pontapé que o faça chegar ao Haiti, onde espero que chegue vivo e em boas condições. Onde poderá explicar, perante aqueles mares de corpos vestidos de farrapos, a grave crise que se depara cá em Portugal. Poderá sensibiliza-los com o horror de não poder trocar de carro, de não poder ir ao restaurante todas as semanas ou dar ao mimado filho o último modelo de telemóvel. Tenho a certeza que os haitianos se sentirão tocados pela sua angústia lusitana.
Já não vejo o sol. Só nuvens. Ainda virá a chuva, decerto.
Tenho vergonha de viver neste planeta. Desta vez não sou abalado pelas contradições da minha vida, que dessas tenho aprendido a defender-me. Sei que tenho muitas coisas boas a meu favor. Tenho vergonha de ver pessoas, seres humanos que decerto esforçam-se mais do que eu para terem alguma coisa na vida, a passarem por aquela degradação.
Não é o terramoto que me causa esta angústia. É as coisas que uma calamidade destas faz saltar à vista e que só ao ser humano dizem respeito.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Jan(eir)o
Mês em que ressuscitam todas as esperanças. Trinta e um dias em que desabrocham viçosas mil promessas e pujantes inúmeras intenções solenes. Singular solo sagrado de tempo onde os conta-quilómetros de todas as nossas viaturas voltam a zero.
O calendário tem este efeito mágico. Coisas de números. Depois ainda há quem pergunte, ingenuamente, como é que a matemática é importante para a nossa vida! Dir-lhe-ia que, neste preciso caso, sem a contagem precisa do tempo a existência de uma pessoa pareceria apenas uma tosca linha. Uma linha cinzenta onde imagino um comboio pasmaceiro a viajar num cenário deserticamente sempre igual.
Agora, com esta coisa de pegar no tempo, manipulá-lo, contorcendo-o em várias formas circulares que apelidamos de anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos, a nossa vida mais parece um pândego carrossel onde, quando acaba uma volta, logo outra começa, nova, a estrear, recheada de oportunidades. Mesmo que o lastro das anteriores rotações tenda a agarrar-se como uma lapa ao canastro e insista em gradualmente fazer-nos sentir mais pesados e lentos, a ilusão funciona. Isso é importante, porque afinal, as ilusões são a realidade da nossa vida.
Janeiro. Os anais da história relatam que foi ideia de Júlio César, mais ou menos em 46 a.C., fixar o começo de um novo ano no dia 1 de um mês que dedicou a Jano, deus representado como tendo duas caras, uma virada para a frente e outra para trás.
De início não simpatizei muito com este deus. Fui ensinado a não fiar-me em pessoas de duas caras. Explicaram-me, ainda era eu petiz, que apesar de simpáticas, eram fingidas no que diziam e faziam. Mas logo fiquei a saber que o caso de Jano era outro. Ter duas caras indicava ser o protector de todos os começos e patrono de todos os finais. Sabiamente, indicava aos mortais a importância da ligação entre o passado e o futuro. Usando a metáfora do carrossel, ele tentava convencer os homens de quão importante era ter a noção de que, por mais voltas que lá se dê, todas estão, de algum modo, ligadas entre si. Nisto os romanos - desdizendo os meus amigos Asterix e Obelix - não foram nada loucos. Nesta perspectiva, até bastante sensatos!
Quando inicio um novo ano, como toda a gente, entusiasmo-me com as intenções e os votos. Mas tento sempre temperar esta animação com a mensagem de Jano. Esforço-me a olhar para o futuro com os pés assentes nas memórias dos anos que passaram. Tento, por exemplo, recordar se já fiz o mesmo tipo de votos nos Janeiros antecedentes. Caso sim, tento identificar o que ditou o fracasso dos planos. Tento igualmente pensar o que posso mudar desta vez para o resultado ser diferente.
Agarro-me. O carrossel começa mais uma volta.