segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Friends, amigos & companhia Lda – parte 3 (o paradoxo, ou como uma pessoa ás vezes tem vontade de morrer)


Amigos, amigos…
Tudo o que se diz de bom sobre bons amigos é pouco.

Tenho amigos no sentido verdadeiro da palavra… poucos, mas bons! Sou um acérrimo defensor de amizades sinceras e trabalhadas. Esforço-me por ser um amigo leal.

Mas, (quando vem um “mas” a coisa está tremida…) estou incomodado comigo mesmo sobre este assunto. A questão é que não sou completamente sincero com os meus amigos. Sabem tudo de mim, menos… a minha homossexualidade.

Sim, alguém está neste momento a pensar: “Mas, se são verdadeiros amigos, vão compreender e apoiar! Se não o fizerem é porque não são amigos sinceros.” Isso, em parte, é verdade. Mas, existe uma razão para omitir este tema, que não tem a haver com a genuinidade da sua amizade.

Permitam-me começar pelo princípio. O mundo onde eu nasci, cresci e vivo é regido por princípios muito claros. Existe o certo e o errado, o preto e o branco. As fronteiras são claras como a água. Confesso que quando se é novo esse mundo dá-nos segurança. Gostamos dele e queremos defende-lo com unhas e dentes perante um mundo inseguro, assustador e em constante mutação.
Mas, com o tempo, fui compreendendo que a realidade não é assim tão linear e que o que está certo e o que está errado não é assim tão fácil de demarcar. Aprendi ao mesmo tempo que tive confrontar- me com o que se passava comigo, é claro!

Comecemos pela questão do homossexualismo. É apresentado como errado, claro! De início, a ideia é de que quem é homossexual é mau, pervertido, quer chocar os outros, e é descarado. Podia ser o que quisesse, mas escolheu essa opção (malandro…)

Depois, vendo melhor as coisas, a opinião é que afinal podem não ser tão maus. Até existe gente impecável. Talvez seja uma doença, o resultado de problemas na infância ou uma herança genética.
Mesmo essa visão mais… digamos…temperada, não resolve nada. É como dizer: “Sim, ele tem uma tendência que pode não ser por sua escolha. É uma vítima, OK. Mas, tem que disfarçar, esconder ou sufocar. Porque mesmo assim, não pode viver como é. Continua a ser errado!”
É preferível o silêncio… É preferível, a estragar o bom ambiente e os princípios. (Ah, pois, os princípios…)

Este é um esboço do meio onde vivo. Os que são os meus amigos de anos, também.

Assim, o não desabafar com alguém sobre a minha situação tem a haver com a lealdade que tenho a eles. É uma maneira de protege-los de uma situação potencialmente incómoda. Nunca poderiam mostrar simpatia e apoio moral neste assunto sem que fossem "arrastados" comigo. Assim, prefiro sofrer sozinho do que fazê-los ter essa questão entre mãos.

Por isso chegamos ao paradoxo.
Quem me conhece e acompanha há anos, não sabe do meu mais íntimo dilema, aquilo que é o cerne da minha personalidade.
Quem lê este blog conhece o que de mais profundo me vai na alma.
Sem saber a minha cara, os meus defeitos, os meus gostos, as minhas virtudes, as minhas parvoíces, as minhas paixões e os meus tiques. Não devia ser assim. Por isso, tenho mesmo ás vezes vontade de morrer…

Por favor, não me digam apenas que tudo podia se resolver de maneira simples, que bastava não me importar com o resto do mundo. Como posso não me importar em como ficam os meus amigos com as minhas decisões?

Pode ser fácil, pode ser difícil. Isso estou para ver.
O ter falado deste assunto aqui e ter quem o sabe e me entende foi, é, e será importante.
Pelo menos sinto-me mais livre, menos sufocado. Voltei a ter um cheiro a esperança e vontade de viver que já não tinha há algum tempo.
Que por escrever aqui comecei algo que não sei como vai terminar, isso bem verdade é!

9 comentários:

Special K disse...

Compreendo-te muito bem foi apenas há um ano que decidi que estava na hora de sair do armário. Não foi fácil, ainda há muita confusão nesta cabecinha mas foi um grande alívio.
O curioso é que tomei a decisão no meu emprego e é o único local onde ainda não sabem.
O assumir ou não é uma coisa muito pessoal e eu só posso dar um conselho; dentro ou fora do armário o que interessa é não deixar que a vida nos passe ao lado.
Um abraço

paulo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
paulo disse...

Os teus amigos... pergunto-te: e achas que nenhum suspeita? De nada?
Sabes que todos os meus amigos sabem e sabem que partilho os dias com o Zé, obviamente se continuam a ser amigos é porque são bastante mentes abertas, despreconceituosos e civilizados. Eu também cresci dentro dos mesmos princípios, mas conquistei a liberdade que achava que precisava, mas nunca me assumi na família... Sei ainda que nada é linear, que os amigos também nos podem desiludir, tecer comentários como "é tão bom rapaz, só é pena ser homossexual". Sabes o que te digo? Esses ficam pelo caminho, porque ou me aceitam ou não. Nunca cativei ninguém por ser homos., isso vem depois, quando a atracção e a já são suficientes para essa característica ser ultrapassada sem problemas.
Quanto a ti, não te esqueças que a orientação é só uma característica entre todas as outras que possuis e que quem lida contigo pode não a conhecer ou desconfiar... quem vem aqui conhece o teu debate, dilema, como lhe quiseres chamar. O importante, de facto, é que não deixes passar a vida ao lado, como diz o Special K, sob pena de não seres feliz, de não seres tu próprio, mas de estares a ser o que os outros querem que tu sejas (amigos incluídos).
Outra coisa: escrever sobre o assunto e ter feedback é excelente, vais ver como te vai mesmo fazer bem. Claro que pode criar em ti o desejo de seres mais sincero, mas aí a decisão é inteiramente tua. Podes optar entre assumir ou não, mas não podes optar entre ser ou não ser. És assim e pronto. Não tem de ser nem pode ser (sempre) uma cruz!
Ainda havemos de voltar a falar disto!
Um abraço

Special K disse...

Já agora, pegando na pergunta do Paulo; não foi surpresa para alguns dos meus amigos que já desconfiavam. Nisto as mulheres foram mais perpicazes, afinal existe mesmo uma intuição feminina.
Um abraço

paulo disse...

E agora eu, pegando no que o Special K disse: as mulheres topam à distância. Têm um faro :))) e montam umas "ratoeiras" muito engraçadas. Ainda por cima, como todos os anos conheço colegas novos e novas... Começo a percebê-las e já nem digo nada, só me rio.

João Roque disse...

Caro Sócrates
este é um tema que todos nós, homossexuais, nunca ficaremos indiferentes, ou por estarmos em idênticas situações ou por já por termos passado por elas; eu pertenço, felizmente ao segundo grupo, mas tive grandes lutas comigo próprio para as vencer, e curiosamente, só depois de ter aceite TOTALMENTE a minha condição de que o era, é que vi que a aceitação dos outros poderia afinal ser mais fácil do que pensava. Claro que houve um momento chave que devo ser honesto, necessitou de alguma coragem minha e que foi dizer à família, mas mesmo esse momento partiu de escolher o momento oportuno mais do que escolher qualquer momento; já com os amigos, que é o tema do teu texto, as coisas rolaram por si, nunca me preocupei demasiado comigo, sempre fui "eu" e nas alturas em que se tornava fundamental falar no assunto, falei; e tive sempre a grata satisfação de não só me aceitarem sem reservas, como até de alguns me dizerem que já há tempos o sabiam; quanto á sociedade, não falo a ninguém no assunto, mas como não modifico uma vírgula o meu Normal comportamento de homossexual, e que as pessoas veêm que é realmente normal, vou sendo aceite com a maior naturalidade nos diversos sectores em que me insiro.
Não sei até que ponto te ajudei ou não com estas minhas palavras, mas de uma coisa poderás estar certo: um Amigo verdadeiro, nunca te irá repudiar por seres como és; se o fizer, descobrirás uma triste desilusão, não a de perder um amigo, mas de que não tinhas esse amigo.
Abraço.

Socrates daSilva disse...

special k, paulo, pinguim,
obrigado pelas vossas palavras. De momento não sei que vos responder. É um misto de vontade de chorar e de ir para uma praia pensar. Em breve darei uma resposta "decente".Bem hajam...

paulo disse...

Para já, não tens que responder a nada, só tens de ouvir e reflectir.
Abraço

João Roque disse...

100% de acordo com o Paulo; a resposta, se achares que a deves dar, é a ti próprio.
Abraço.