terça-feira, 19 de maio de 2009

Arrumador

Ando com a neura de arrumar.

Não é arrumar aquilo que se arruma quotidianamente para a rotina da vida ter um senso de suavidade e uma cadência sem sobressaltos. Não, isso não sendo propriamente o meu forte, faço-o bem e mecanicamente.


Ando a arrumar papeis, gavetas, fotos, contas, recordações, bilhetes, colecções e tudo o que me vem à neura.

Como se tivesse que saber que todo o pequeno detalhe sobre a minha vida está controlado. Como que queira ter a certeza que, se eu daqui a uma hora desaparecer, quem mexer nas minhas coisas saiba o lugar de tudo. Como que queira tocar nos farrapos que testemunham o que fiz com a minha vida nos últimos anos.



 

 

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A mãe de todas

Tenho por alvo dedicar um post a uma música que faça parte da banda sonora da minha vida. Uma, que com os seus acordes, desperte algo em mim, não tanto pela qualidade sonora, mas mais pela evocação de sentimentos, locais ou pessoas.

Até estava uma em espera, mas até hoje não me chegou inspiração suficiente para envolve-la em palavras. É que dá-me muita pena colocá-la aqui sem uma guarnição, sem um aconchego…


Digamos que ando mais numa onda de recordar filmes. Aliás, para ser exacto, relembro ocasionalmente excertos, trechos, frases ou diálogos soltos que me parecem premonitórios, proféticos ou simples constatações sobre as hipotéticas regras que norteiam este teatro de fantoches a que se chama de vida.

(Que ninguém se ofenda, pois isto de fantoches é um barrete que enfim a mim próprio…)

 

Hoje evoco um diálogo pertencente a um filme que recentemente vi e revi. “O Leão no Inverno”, versão de 2004. A história, originalmente uma peça de teatro, retrata um confronto familiar. Uma espécie de jogo mortal de palavras entre aqueles que menos esperamos: um pai, Henrique III, rei de Inglaterra e de metade de França, uma mãe, Eleanor de Aquitânia e seus três filhos, Ricardo, João e Geoffrey. A verdadeira razão? O poder. O pretexto? A escolha do filho que iria suceder ao pai como rei.

A tal cena que recordo é um pequeno discurso que a certa altura a mãe faz aos seus três filhos: 

“Deixamo-lo tão claro.

Minhas crias…nós somos as origens da guerra.

Não são as forças da História, os tempos, a justiça ou a falta desta, não são as causas nem as religiões, nem quaisquer tipos de governo ou outra coisa.

 

Somos nós os assassinos.

Nós procriamos guerra.

Transportamo-la como sífilis dentro de nós.

Cadáveres que apodrecem campos porque os vivos estão podres.

 

Pelo amor de Deus. Não nos podemos amar uns aos outros só um pouco?

É assim que a paz começa. Temos tanto por que nos amar. Temos possibilidades infinitas, meus filhos. Podemos mudar o mundo.”

 

Á medida que caminho na rua íngreme e evito as goteiras dos prédios, dou comigo a pensar que as verdadeiras guerras não são contra os outros. As genuínas, as decisivas, as cruéis guerras são contra nós próprios.