terça-feira, 24 de novembro de 2020

Existe um plano traçado na areia do deserto. Está lá. Construído nas horas vagas do céu estrelado. 

Quando o vento sopra, e confunde a minha escrita, torno a escrever. Torno a colocar o dedo entre os pequenos grãos de rochas e detritos e esboço novamente o que quero. O que o sangue fervente me dita. Com uma calma que é a máscara da fúria e dos soluços. O ciclo é assim. Vento, teimosia, vento, teimosia, vento, teimosia...

Sei que quando deixar de ser teimoso, vou morrer. Como já morri antes, como já tinha nascido morto. (Não sei se já tinha contado esta parte.) 

Sem grandes explicações transcendentais para a teimosia do dedo perante o vento, escuto a vida que passa ao lado.

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Levante

Porque as palavras apodrecem dentro da alma se não lhes insuflarmos vida. Porque as palavras não dormem, não nos largam nem quando sonhamos. 

Porque não consigo avançar pelos meus caminhos - reais ou esboçados - sem passar por ti. Raios te partam por teres entrado pela porta mais genuína que tinha! Porque a tua presença e a tua ausência esvoaçam sempre à minha volta, fazem pouco da minha dor e atam-me as mãos da minha esperança. 

Faz com isto o que quiseres, disseste. Eu farei. Podes crer que farei. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Sonhos

O ponto de partida é a irracionalidade. A razão da sua existência, da sua manutenção e persistência.

Outra ponto a ligar é a vida. Como é e como a queremos ver.

Outra peça a juntar é a intolerância. O encarar o nosso semelhante como se fosse o pior inimigo da nossa espécie. Neste tópico, faço uma extensa nota de rodapé que inclui um especto de cores que vai desde a indiferença até atos de crueldade que não lembram a uma antologia de psicopatas.

Também peguei na existência da mentira. Na maneira como se usa sem pudor mesmo que a sua existência não tenha sequer pés de barro farinhento.

Não sei se encontrarei mais ingredientes, peças de puzle ou pontos de viagem num mapa imaginário. Se encontrar, lá os encaixarei.


E a ligação surgiu-me com a frase de um filme. "Não somos capazes de lidar com a verdade"! Não conseguimos encarar a vida como é. Necessitamos de sonhos, de coisas imaginadas, com tanta força, com tanto desespero, com tanta sofreguidão, que todo e qualquer outro que tenha a ousadia de, nem que seja apenas riscar esse nosso sonho feito nossa utopia de vida, é afastado, destruido até.

Certas pessoas, ou sociedades, necessitam muito de uma ilusão que as faça sentir com um objetivo, com um consolo, com uma ideia de justiça cósmica. Partido dessa carência, o que se segue é que todo e qualquer divergência é para eliminar. Castigar.

...

Pensava que o sonho comandava a vida no bom sentido. Sei agora que comanda também as mais tenebrosas forças existentes no ser humano.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Fronteira

Já acabou o tempo de mexer a terra com os pés. Já acabou o tempo de inventar desenhos nas nuvens que passam. Já se foi o tempo de fechar os olhos e fazer perguntas a seres imaginados. Já. Fui. Foi.

O tempo é de coragem. Rasgar o que não pode ser recolocado. Ter ou não ter é sempre a questão. Sem garantias, sem redes, sem arrependimentos.

A questão é tremendamente simples. Viver ou morrer. Da ignorância ou de tempos de nevoeiro já não me posso queixar.

domingo, 26 de abril de 2020

Um leve beijo na testa

Venho depositar ternamente o silêncio dos meus dias. Que durma, em paz...

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Saberes

Não sei o que escrever. Ao mesmo tempo que sei que tenho que escrever. Estes tempos de recolhimento acrescido, imposto, tem sido um campo fértil para que as verdadeiras sementes cresçam acima da erva daninha que já se julgava dona do terreno.

Sei-te. Isso sei.
Sem cinzas, sem sombras, sem migalhas.
Ferves-me em todas as superfícies.

Não sei como o escrever. Sei apenas,

quarta-feira, 25 de março de 2020

Cadências

Gosto da palavra cadência. Gosto do seu som, da semântica, do sentimento que me dá. Faz-me pensar na métrica do tempo. Do andar que tenho pelas sombras dos meus dias. Porque acho que a importância não está no chegar, mas no andar. E na maneira em que se anda. (Cá está!) Na cadência.

Estes dias estão a dar oportunidade de pensarmos nas cadências que tínhamos. Tudo era urgente, imperativo, sem hipóteses de trilhar outros caminhos e ritmos. Tretas! Tretas. Andávamos como os outros queriam. Agora, algo fora do guião, virou tudo de pernas para o ar. E, quando pensamos, descobrimos que pode haver outra coisa. É prematuro saber o quê, mas que esta cadência pode ser outra, pode.

domingo, 22 de março de 2020

Confissões


(O Evangelho segundo Lázaro, Richard Zimler)

quarta-feira, 18 de março de 2020

we can light up the dark / everyone has a spark


terça-feira, 17 de março de 2020

Cada lugar


Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve pra longe de nós
E que um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça num gesto só
Eu Vou guardar cada lugar teu
Ancorado em cada lugar meu
E hoje apenas isso me faz acreditar
Que eu vou chegar… 


Hoje voltei à Mafalda Veiga.  Volto sempre. Por tudo e por nada. Desde o início da sua carreira musical que a acompanho (ou será ela que me acompanha?). Sinto um consolo em muitos dos seus versos, sinto um calor empático em muitas cadências. Mesmo sem explicação, sinto. E, isso basta. Tenho o seu primeiro LP em vinil com a esperança de um dia a encontrar e pedir o seu autografo.

Hoje devido a alguns dos versos da música "Cada lugar teu", a minha cabeça fugiu-me e demorei um bocado a encontrá-la. Quando a encontrei, estava fragmentada em mil pensamentos que custaram a encaixar. Por exemplo, falavam de como eu gostaria de ter sido entendido na minha incoerência. Se fosse certinho, corajoso e organizado, para que eu necessitava de apoio? Se fosse, como tudo na vida devia ser, porque procuraria longe, o que está disponível à mão? Se, se, se...

Passou. Foi o que foi. Caminhou-se o que se tinha que caminhar. Ficou que ficou, foi-se quem se foi. Saí da caverna onde vivia de sombras e olho para o sol. Guardei cada lugar em que passei. São meus agora também. Por isso não sou quem era, mas sinto que sou melhor. Apenas admito que não há nenhum lugar para chegar. Existe apenas o chão que vou pisando. E esse já vale a pena.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Coçar

Numa rua sem gente, é que temos vislumbres do que somos. Ou do que não somos. É desalentador sentir os vazios dos espaços. Causam-nos verdades na pele. Senti uma delas a subir-me pelas costas e instalar-se na nuca e até ousar pensar em tentar dominar o cume da minha cabeça. Cocei a pele afligida com ansiedade. Mas não é assim que se dá cabo das verdades incómodas. Coça-se, alivia um pouco, mas volta o seu latejar e a sua ambição.

Esta já é uma coceira antiga, mas que, de vez em quando, larga-me, vai passear por ruas largas cheias de gentes e luzes. Mas acaba por voltar e saltar-me para cima, sem cerimónias. Especialmente quando estou só. Só de sozinho ou só de acompanhado. Também.