quarta-feira, 7 de abril de 2010

Cuando nadie me ve...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Um ano (ou a lição de uma perda)

Faz hoje um ano que soube da morte de uma pessoa que comentava no meu blogue. Usava o nick de Catatau. Não vou recordar a data apenas pelo espírito de efeméride; mesmo se fosse essa única a razão, era merecida, sem dúvida. A morte de um ser humano é sempre um acontecimento violento, marcante, de todos os pontos de vista, e relembrar a memória é uma nobre razão.

Neste caso, tenho uma razão acrescida. Tem a haver comigo. Dentro do que necessito de fazer por mim careço de falar de certas coisas. Fazê-las elevar acima do patamar onde circulam os meus pensamentos. É verdade que exteriorizar, envolve sempre um certo risco; dizer certas coisas em público, pode parecer ridículo e testa a paciência dos outros. No entanto sei que me faz sentir bem. Durante muito tempo pensei que bastava deixar os contornos difusos das palavras existirem para consumo próprio. Sei agora que isso foi mau. Terrível. Não quero voltar para essa caixa onde me sentia um misto de autista e sociopata.


Durante muito tempo, reflecti sobre o porquê da comoção da notícia da morte do Catatau. Era, para mim, uma questão importante, porque sabia o alheamento emocional que costumava ter ao atravessar os diversos cenários da vida. A questão era, em termos simples: porque senti a coisa desta maneira? Porque a morte de uma pessoa que eu não conhecia, nem de fotografia sequer, me perturbou, causando um forte sentimento de perda e uma sensação de vazio no meu dia-a-dia?

A resposta que consegui tornou-se óbvia. O Catatau - como os que lêem e comentam no meu blogue, como autores de blogues que leio, como alguns com quem já comunico de uma maneira mais pessoal - fez parte de um esboço de vida, com um certo patamar de verdade e genuinidade, que nunca tive. Embora ainda falte caminho, já sei o que é falar de sentimentos que são realmente os meus. Sem medos. Assim mesmo... 

O desaparecimento do Catatau foi uma maneira brutal de sentir o valor desse tipo de pessoas. Pessoas que podem achar-me parvo, esperto, ingénuo, corajoso, frágil, maniento, perspicaz, teimoso, arrogante, voluntarioso, saloio ou outra coisa qualquer. Pessoas que me rotulem como quiserem e como lhes dê na "real gana"... mas com quem eu posso ser naturalmente o que sou. Com quem posso dizer o que realmente penso.

O Catatau era, mesmo que virtualmente, parte desse meu admirável novo mundo. Senti, e sinto a sua perda, representada nos comentários que espalhava pela blogosfera. Recebi dessa situação uma lição de quanto valem pessoas com quem atingimos um elevado nível de sinceridade e o que dói a sua perda.


segunda-feira, 29 de março de 2010

Quantidade versus qualidade



terça-feira, 23 de março de 2010

Está-se mesmo a ver!

A TVI anuncia com pompa e circunstância que Júlia Pinheiro vai ter um programa onde se vai poder falar com mortos. Não sei onde está a novidade! É uma área onde este canal de televisão está há muito tempo dá cartas. Com aquele tipo de programas, com aquela quantidade de novelas e com o nível de alguns apresentadores para quem é que eles julgam que falam? Alguma coisa morta no cérebro deve ter quem vê muito tempo a TVI.

(Arrebentava se não dissesse esta tentativa de piada...) 



sexta-feira, 19 de março de 2010

A inevitabilidade de fazer as pazes com o passado

O passado não desaparece, evapora-se ou transmigra para outra galáxia. Por mais que desejemos ignorar o seu paradeiro, ele está sempre perto. Bem perto.

Por vezes tive a presunção de pensar que as coisas passadas eram apenas memórias. Papeis e livros velhos guardados num caixote que está na garagem à espera de uma limpeza de primavera mais determinada que o coloque no lixo. Coisas como decisões que tomei e que não deveria, bem como aquelas opções que não tive coragem de fazer. Pensar que esse tipo de coisas ficariam enterradas no tempo e seriam assim inócuas foi um erro. Um brutal, estúpido e depravado erro.

Foi como pensar que não tenho uma sombra agarrada aos pés só porque o dia está pardacento. Foi como pensar que atropelando uma pessoa numa passadeira e colocando-me em fuga, já não tenho responsabilidade. Foi como pensar que o dinheiro que pedi emprestado não tem que ser pago só porque evito e não atendo as chamadas que me faz o credor. Só se pode pensar assim por requintada ingenuidade ou delicado atrasado mental. (Em minha defesa prefiro a tese do ingénuo.)

O passado ficou marcado pela cobardia e ele não se conforma com esse estigma. Não perdoa o querer-se apostar numa linha de vida sem confrontos e num confortável marasmo. O passado exige a verdade e a coerência. Com o tempo uma pessoa habitua-se à mascara. O passado, dando-nos um valente pontapé no traseiro, quer visíveis as linhas genuínas da face. Sejam como sejam.

No fundo o passado não me quer estragar a vida, quer é evitar que a perca mais ainda. Com a sua acutilante crueldade de aparecer nas horas mais inoportunas e nos locais mais inesperados, ele no fundo gosta de mim. Acredito que deseja a reconciliação possível. Só que está-se a borrifar para os jogos em que me envolvi. Talvez tenha razão. Diz-me que o caminho vai ser duro, estreito, pedregoso, com becos aparentemente sem saída e com muitos dias de cerrado nevoeiro. E um caminho em que nem sei onde vai parar. (Aqui para nós, que ninguém nos ouve, eu preferia ter uma auto-estrada ao dispor. Com enormes cartazes azuis a indicar todos destinos com as precisas distancias que faltam. Sem portagens e com o depósito cheio. Gratuitamente, já agora!)

O passado não desaparece e não é uma velha caixa de cartão. É poderoso e não perdoa erros e, se calhar, neste seu pragmatismo, faz muito bem. Possivelmente leu e entendeu, melhor que muito boa gente, aquela frase que se atribui a Cristo: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”

terça-feira, 16 de março de 2010

wish


I wish I knew how it would feel to be free

I wish I could break all the chains holding me

I wish I could say all the things that I should say

Say 'em loud say 'em clear

For the whole wide world to hear


I wish I could share

All the love that's in my heart

Remove all the bars that keep us apart

And I wish you could know how it feels to be me

Then you'd see and agree that every man should be free


I wish I could be like a bird in the sky

How sweet it would be if I found I could fly

Well I'd soar to the sun and look down to the sea

And I'd sing 'cos I know how it feels to be free


I wish I knew how it feels to be free

I wish I could break all the chains holding me

And I wish I could say all the things that I wanna say


Say 'em loud say 'em clear

For the whole wide world to hear

Say 'em loud say 'em clear

For the whole wide world to hear

Say 'em loud say 'em clear

For the whole wide world to hear


One love

one blood

One life you've got to do what you should

One life with each other

Sisters, brothers


One life but we're not the same

We got to carry each other

Carry each other

I wish I knew how it would feel to be free

I wish I knew how it would feel to be free

sexta-feira, 12 de março de 2010

Um presente que muito me honra


FREE_SOUL, autora do blogue O Dito Por Não Dito agraciou-me com o selo ‘Blogue Super fofo’.
Se há coisa assente nestes mais de dois anos de blogar é que sou muito mimado pelos que visitam o meu cantinho. Este gesto é uma evidência disso. Agradeço muito, muito o gesto.

Segundo entendi, o espírito do prémio incentiva-me a falar um pouco acerca da palavra ‘fofo’. Sem rodeios, acho uma palavra bonita e adequada quando existe um certo grau de estima e confiança. A nível bloguístico  a free_soul é, de há um bom tempo, uma “amiga da casa”, por quem tenho estima e a quem prezo muito as visitas e comentários. Também aprecio muito os desabafos e as vivências que compartilha connosco no seu blogue.

A palavra ‘fofo’, quando aplicada a uma pessoa, forma instantaneamente na minha mente a imagem de alguém a quem uma simples frase não explica porque gostamos dela.

Uma pessoa que gostaríamos de ter como colega de trabalho, compincha de esplanada, companheiro num elevador avariado, dono da mão que nos puxa a orelha quando fazemos asneira, portador do único telemóvel que atendesse quando estamos numa aflição, condutor do carro que passa quando fomos apanhados pela chuva numa zona erma, confidente da minúscula alegria do nosso dia, provador oficial das nossas experiências culinárias, possuidor do livro que tanto queríamos ler e, não menos importante, portador de um sentido de humor capaz de transformar a recordação do mais hediondo acontecimento do nosso dia num motivo de sorriso.
 

Por isso gosto da palavra ‘fofo’. Assim, agradeço mais uma vez à free_soul este selo fofo e, armando-me em recebedor de um Óscar, digo:

“Quero dedicar este selo a todas as pessoas fofas que existem no mundo.”



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Os livros

”Acreditas mesmo nisso?”, perguntou ele. “Que os livros dão sentido à nossa vida?”

“Acredito”, respondi. “Um livro deve ser um machado para abrir o mar gelado que temos dentro. Que mais havia de ser?”


(Lido aqui. A conversa continua lá...)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Problemas da idade


(Recebido por e-mail. Não sei a autoria para dar o devido crédito. Enquanto o tempo e a inspiração andam a fugir-me, o humor, mesmo que seja emprestado, é um bom recurso.)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Um dia será


Já estava em divida para com o Sérgio. Já devia há muito tê-lo incluído nas músicas que aqui coloco. Com toda a justiça. Mesmo que tenha crescido com a vertente pimba da música portuguesa em redor, desde muito pequeno que me cativava esta voz e estas letras. Recordo que certa vez na escola andava a trautear o refrão: “cá andamos com a cabeça entre as orelhas”. Um colega, proveniente das melhores famílias da terra, olha para mim com um misto de ar surpreendido e incomodado e diz: “Que horror, isso soa a canção comunista!”. Confesso que não percebi de imediato esse mundo de conexões entre política e musica. (Era muito ingénuo, valha-me Deus!) Mas, sabia que gostava das músicas do Sérgio e isso bastava. Hoje apeteceu-me cantar esta.

...

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

...


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Um post mal intencionado

Uma praga. Uma maldição, um trabalhinho de vudu, um mau-olhado ou outra coisa qualquer que cause no mínimo uma dor de barriga a pessoa ou pessoas que desconheço.

Eu sei que não é conversa que se tenha. Mas, a razão é simples e decerto merece compreensão. 

Roubaram-me os pipos dos pneus do carro. Os quatro! Logo naquelas jantes que são o meu orgulho e onde esfalfo-me a tirar o negro pó de todas as fissuras. Logo aqueles pipos tão leais que cada vez que ia verificar a pressão dos pneus resistiam a sair como se fosse uma tentativa de violação.


E para que querem os larápios os pipos? Para que tipo de colecção de objectos inúteis? Para enfiarem no buraquinho das orelhas a fim de dormirem bem? Para servirem de supositórios? Para colocarem entre os dedos dos pés de modo a pintarem melhor as unhas?

Ainda me dizem que tive sorte. Podiam ter roubado as rodas. Ou até o carro. (Tipicamente português este tipo de raciocínio! Por essa linha de pensamento até ser atropelado é sinal de enorme sorte. “Morreu? Olha que sorte, podia ficar paralítico ou com uma grave deficiência!”; “Ficou paralítico? Ficou deficiente? Olha que sorte, podia ter morrido!”) Para mim é um roubo, independentemente do valor monetário, e um desgosto o que me fizeram. Ponto final.

E como não tenho maneira de encontrar o culpado, delego essa tarefa a quem pode. Se quero justiça de homens, entro com uma acção no tribunal; se quero justiça de quem controla coisas a um nível mais… digamos, elevadamente metafísico, rogo uma praga. 
(Raiospartam…)

A petição está feita. Para alguma coisa há-de servir ter um blogue.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

C&H

Num destes dias ao ver um concurso televisivo, era colocada a questão aos concorrentes sobre qual era a sua personagem de BD favorita. Lá foram desfilando personagens conhecidos do meu imaginário. Compartilhava o gosto da maioria, pois sou aficionado da BD. Mas, após uns minutos pus-me a pensar que personagem quereria comigo naquela hipotética ilha solitária onde sempre nos colocam quando querem sacar-nos as preferências. Demorei uns segundo, mas foi incontestável a resposta. Com todo o respeito pelas boas horas que me dão os homens-aranhas, Obelixes e Mandrakes… Quem me faz rir e pensar como ninguém é este menino e o seu tigre!








quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

São saudades, Senhor!

Tenho sofrido ataques de saudades. Precisos, cirúrgicos e como tal perfeitamente delimitados na duração e emoções evocadas. Nem um bisturi seria mais perfeito no recorte. Surpreendem-me sem um padrão regular. Por vezes apanham-me em situações delicadas e inapropriadas. Outras vezes não. Quando calha estar só, posso naturalmente deixar humedecer os olhos, encostar as costas à parede e deslizar devagar até ficar sentado no chão. Quando estou no meio de gente é mais inconveniente, mas já aprendi a lidar com a situação. Começo por deixar de prestar atenção ao que os outros dizem, mesmo que me esforce para tal; então é altura de fazer um sorriso diplomático e dizer em surdina que já venho. Por vezes o carro é o sítio ideal para estar só.

Saudades. Não é apenas o sentir a falta de alguma coisa, como os espanhóis e os ingleses traduzem esta palavra tão nossa. É muito mais. É sentir uma dor requintada em todo o corpo, com origem no peito, mas que é accionada pela memória. Não é apenas sentir a falta de algo que passou, acabou ou se deixou longe. É mais do que isso. Por vezes inclui sentir a falta de algo no presente ou até, em casos raros, no futuro. É mais do que factos memoriais. São ventos que roçam esquinas e afagam pedras da calçada. Iluminam faces, apertam mãos e circundam dorsos em abraços intensos. Invadem jardins roubando aromas, pétalas e até fragmentadas folhas secas. Aprisionam em si as luzes e sombras da cidade junto com os grilos nocturnos dos campos isolados.

E esses ventos conseguem entrar dentro de nós, violentamente, e depositar esses tesouros com uma doçura estarrecedora. Depois não há quem aguente em pé, no meio da multidão, a sorrir e a fazer conversa de ocasião.

Não é possível.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma teoria

«Deus sabe tudo o que aconteceu no passado, tudo o que está a acontecer no presente e tudo o que vai acontecer no futuro, o que pode ajudar a explicar um certo desinteresse.»



(Lido aqui. Que me perdoem a blasfémia, mas tem a sua graça...)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O sol é minha testemunha

Fiquei por um instante, com os olhos semicerrados, a olhar para o sol. Lá seguia o seu milenar caminho e neste momento preparava-se para esconder-se por detrás das inúmeras nuvens da tarde. 

Por um instante pensei se seria de facto o mesmo sol que brilha sobre aquelas pessoas que tenho visto abundantemente nos noticiários. Aquelas pessoas que sofrem e aquelas cujo sofrimento já acabou depois de muito agonizar. Vivemos realmente debaixo do mesmo sol, no mesmo planeta, separados apenas por algumas horas de avião?

Será que esse país chamado Haiti fica de facto neste mesmo planeta em que eu vivo ou serão imagens de outra galáxia, onde a estupidez, a maldade e o sofrimento são imutáveis leis físicas?


O meu pensamento saltou então para a palavra crise. Crise. Chavão tão de moda no nosso país. Desintegrou-se, derreteu-se, evaporou-se, implodiu. Perdeu todo o seu sentido perante o que vejo na televisão. Se escuto mais alguma vez um português dizer, com ar atormentado, que estamos em crise, juro que fico com uma vontade de lhe dar um pontapé que o faça chegar ao Haiti, onde espero que chegue vivo e em boas condições. Onde poderá explicar, perante aqueles mares de corpos vestidos de farrapos, a grave crise que se depara cá em Portugal. Poderá sensibiliza-los com o horror de não poder trocar de carro, de não poder ir ao restaurante todas as semanas ou dar ao mimado filho o último modelo de telemóvel. Tenho a certeza que os haitianos se sentirão tocados pela sua angústia lusitana.


Já não vejo o sol. Só nuvens. Ainda virá a chuva, decerto.
Tenho vergonha de viver neste planeta. Desta vez não sou abalado pelas contradições da minha vida, que dessas tenho aprendido a defender-me. Sei que tenho muitas coisas boas a meu favor. Tenho vergonha de ver pessoas, seres humanos que decerto esforçam-se mais do que eu para terem alguma coisa na vida, a passarem por aquela degradação.

Não é o terramoto que me causa esta angústia. É as coisas que uma calamidade destas faz saltar à vista e que só ao ser humano dizem respeito.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

True

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Jan(eir)o

Mês em que ressuscitam todas as esperanças. Trinta e um dias em que desabrocham viçosas mil promessas e pujantes inúmeras intenções solenes. Singular solo sagrado de tempo onde os conta-quilómetros de todas as nossas viaturas voltam a zero.

O calendário tem este efeito mágico. Coisas de números. Depois ainda há quem pergunte, ingenuamente, como é que a matemática é importante para a nossa vida! Dir-lhe-ia que, neste preciso caso, sem a contagem precisa do tempo a existência de uma pessoa pareceria apenas uma tosca linha. Uma linha cinzenta onde imagino um comboio pasmaceiro a viajar num cenário deserticamente sempre igual.

Agora, com esta coisa de pegar no tempo, manipulá-lo, contorcendo-o em várias formas circulares que apelidamos de anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos, a nossa vida mais parece um pândego carrossel onde, quando acaba uma volta, logo outra começa, nova, a estrear, recheada de oportunidades. Mesmo que o lastro das anteriores rotações tenda a agarrar-se como uma lapa ao canastro e insista em gradualmente fazer-nos sentir mais pesados e lentos, a ilusão funciona. Isso é importante, porque afinal, as ilusões são a realidade da nossa vida.

Janeiro. Os anais da história relatam que foi ideia de Júlio César, mais ou menos em 46 a.C., fixar o começo de um novo ano no dia 1 de um mês que dedicou a Jano, deus representado como tendo duas caras, uma virada para a frente e outra para trás.

De início não simpatizei muito com este deus. Fui ensinado a não fiar-me em pessoas de duas caras. Explicaram-me, ainda era eu petiz, que apesar de simpáticas, eram fingidas no que diziam e faziam. Mas logo fiquei a saber que o caso de Jano era outro. Ter duas caras indicava ser o protector de todos os começos e patrono de todos os finais. Sabiamente, indicava aos mortais a importância da ligação entre o passado e o futuro. Usando a metáfora do carrossel, ele tentava convencer os homens de quão importante era ter a noção de que, por mais voltas que lá se dê, todas estão, de algum modo, ligadas entre si. Nisto os romanos - desdizendo os meus amigos Asterix e Obelix - não foram nada loucos. Nesta perspectiva, até bastante sensatos!

Quando inicio um novo ano, como toda a gente, entusiasmo-me com as intenções e os votos. Mas tento sempre temperar esta animação com a mensagem de Jano. Esforço-me a olhar para o futuro com os pés assentes nas memórias dos anos que passaram. Tento, por exemplo, recordar se já fiz o mesmo tipo de votos nos Janeiros antecedentes. Caso sim, tento identificar o que ditou o fracasso dos planos. Tento igualmente pensar o que posso mudar desta vez para o resultado ser diferente.

Agarro-me. O carrossel começa mais uma volta.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Começar o ano com uma frase assim

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Pessoa

(Obrigado Violeta pela recordação...)