quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

parede ao fim do tunel





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

light

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

impressão

salvo em raras excepções

sinto o meu corpo flutuar

imerso num mar de fogo

que escorre entre os dedos do tempo



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Bacon revisto


Andei a pesquisar umas coisas do pintor Francis Bacon. A meio das minhas leituras recordei que um dos seus trabalhos, baseado no quadro do Papa Inocêncio X de Velásquez, fazia parte do meu imaginário de adolescente. Naqueles meus tempos juvenis, ao desfolhar o livro das Selecções, achei muita piada ao desfiguramento que tinha sido feito a um quadro clássico e realista.

Confesso que desde então não tenho dado muita atenção ao trabalho de Bacon. Ao revê-lo reconheço que o seu estilo suscita sensações intensas. Reconheço a grandeza de um homem autodidacta que soube pintar, como poucos, quadros que gritam de desespero, que incomodam, questionam e interpelam. Quadros que expõem a crueza da realidade que nos rodeia.

Pois é, ainda estou a aprender que a arte não fala sempre da harmonia de um esplêndido pôr-do-sol a ser cruzado por uma gaivota, ou por um barquinho de vela…


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Mensagem

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp’rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.

 

Fernando Pessoa, Mensagem

 

(Nestes dias de frio, gosto do aconchego dos livros. Já andava com saudades de umas conversas com o Pessoa. A meio da coisa, ele disse-me isto) 


terça-feira, 24 de novembro de 2009

V

Ao procurar uma imagem que ilustrasse o segundo aniversário do meu blogue – que é hoje! - encontrei frequentemente a representação de uma mão com dois dedos espetados no ar. Gostei da associação de ideias. Um gesto que tanto pode indicar o número dois, como o “V” de vitória. E tem tudo a haver.

Dois anos aqui (e um pouco por ali e acolá) a escrever (e a ler). A fazer deste ecrã uma janela que abri para gritar aos sete ventos e por onde, simultaneamente, quis vislumbrar horizontes distantes. Tentar encontrar algo, por mais pequeno que fosse, que se parecesse a um sentido para uma vida que parecia perder a forma e esgotar-se a cada dia. A cada minuto, para ser mais preciso. Escrever como quem grita para o fundo de um poço, ou para o interior de uma gruta, e fica a escutar o eco. Tentar domesticar os medos para ter a esperança de um dia brincar com eles e até fazer-lhes festinhas. Batucar no teclado palavras que iam edificando textos. Palavras apagadas. Palavras reescritas. Palavras escritas e publicadas. Palavras à espera.

Vitória? Em certa medida sim. Tentando não ceder a tiques de arrogância mas respirando com o realismo possível. Melhor do que eu, muitos sabem que assumir, dentro da cabeça, uma homossexualidade pode ser um processo difícil por muitas e genuínas razões. Alguns nunca a resolvem completamente. Alguns desistem. Eu iludi-me enquanto tive fôlego e imaginação para tal, mas quando chegou a hora da verdade, eu sabia que ou resolvia o assunto ou capitulava.

Medo. Tinha medo. Eu temia que se um dia me aceitasse como era seria o fim de tudo. Uma espécie de holocausto pessoal. Imaginava uma pequena caixa onde cabia todo o meu ser. O meu carácter, a minha experiência de vida, os meus gostos, as minhas virtudes e os meus defeitos. Se deixasse entrar o homossexualismo, tudo o resto teria que sair. Imaginava que não caberia tudo lá dentro. Tenho vergonha de admitir tal visão retrógrada, mas era mesmo assim que pensava. Tive que deixar cair tudo no chão. Tudo aquilo que eu fui agarrando na vida e até o que me tinham atirado para os braços. Todo o peso que as certezas de uma vida comportam. Obriguei-me a olhar para tudo o que então jazia no chão e, depois de uma avaliação, decidir o que voltaria a agarrar e aquilo que mais valia abandonar.

Isolamento. Reconhecer que não podia continuar dessa maneira. Necessitava ajuda. E de facto, estes dois anos não existiriam sem quem está a ler este texto, neste preciso momento. Todos que passaram aqui, que leram e, quando puderam ou quiseram, disseram algo. Tenho um sentido de gratidão imensa. Sem excepções.

Vitória? Sim.

No futuro posso ter, e terei, amargos reveses. Posso saber, e saberei, o que é a frustração de miragens que se desfazem. Ocasiões existirão em que chorarei à noite e baterei com a cabeça na parede sem que ninguém o saiba. Acontecerá porque disso também se faz a vida. Mas nada que possa acontecer vai retirar-me a vitória de viver bem comigo. De aceitar-me, de respeitar-me, de saber quem sou. Sentindo que a minha descida aos infernos está iminente, é este o consolo que guardo no bolso. Sei que no fundo todos temos uma escolha que não se pode adiar a vida inteira. Escolher entre um bem-estar formal e a liberdade. Entre uma paz diplomática e a verdade. Essa é a mãe de todas as questões. Vale a pena estar em paz com os outros e num inferno connosco próprios? Ou é melhor estarmos em paz connosco mesmo que isso signifique não estar à altura das expectativas dos outros?

Dois anos passaram e eles vão determinar o terceiro ano que amanhã começa.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Boa para um dia de Outono


Black - Wonderful Life

sábado, 14 de novembro de 2009

Verdade

“Um amigo ama em qualquer tempo, é um irmão no dia do perigo.”

Provérbios, capitulo 17, Bíblia Pastoral

 

A Bíblia não é apenas um livro de disparates, como diz o nosso amigo Saramago. Claro que quando lemos certas partes com os olhos dos tempos modernos e sem as lentes da fé, soam a disparates, pois claro! E, se a isto, somarmos alguns actos tresloucados que durante a história algumas pessoas fizeram em nome dela, então temos motivos para entender as farpas do nosso Prémio Nobel.

 

Mas, este livro é como a vida. Além de aparentes absurdos também possui coisas lúcidas e necessárias. Esta afirmação sobre a amizade nunca se me mostrou disparatada. Nunca mesmo. Sempre apreciarei o facto de ter sido uma das frases que, desde bem cedo, me era citada sobre como identificar um amigo.

 

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Cuidado com as bebidas

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A visível face oculta

Acho muito interessante a actual popularidade da expressão “Face Oculta”. Comecei por pensar que quem tem, como parte das suas funções, que atribuir nomes de código a estas operações deve ser muito imaginativo. Deve ter como uma das suas preocupações, com toda a probabilidade, transmitir pedagogicamente alguma mensagem ao público. Neste caso especifico, penso que quer dizer-nos que esta acção foi pensada para, além de impor o natural castigo a quem age fora da lei, expor a face corrupta, oculta, de uma sociedade que todos pensávamos bonita, justa e elegante.

Dá-me graça. Quem escolheu o nome deve ser um brincalhão de primeira água. Só pode ser. Quem é que no seu perfeito juízo, sendo conhecedor da realidade e mentalidade portuguesa, assume que a corrupção é uma coisa oculta? Que só quando escarafuncha-se com arte e engenho é que são encontradas provas? Ninguém!

A centenária cultura lusitana, começando no país profundo e rural de Vale da Mula e terminando nos restaurantes urbanos da haut cuisine onde a elite toma as suas sopinhas diárias, sempre assumiu clara e orgulhosamente a filosofia do lucro fácil fintando, se necessário, a ética e a lei. Qualquer forasteiro, mesmo proveniente dos antípodas, com alguns dias de vivência neste cantinho, vê claramente que o sistema funciona assim. Cunhas, compadrios, presentes, facturas falsas, números retocados, subornos e quejandos. Como é que se pode com seriedade chamar a tal tipo de mentalidade “face oculta”? É uma face assumida e descaradamente sorridente.

Recordo que na altura do meu exame de condução, fomos um grupo de quatro a Lisboa. A professora perguntou-nos, com toda a naturalidade do mundo, se queríamos pagar uma certa quantia para dar ao engenheiro que ia examinar-nos a fim de garantir a aprovação. Assim de simples, como pediu que levássemos o Bilhete de Identidade. Não foi um caso isolado; era o procedimento normal.

Com o passar dos anos a coisa foi-se tornando até mais descarada. Numa conhecida escola de condução, no momento em que alguém ia fazer a inscrição, era-lhe apresentada duas tabelas: a normal e a que garantia a aprovação do exame. Esta segunda era mais cara porque já incluía “a gorjeta” para o examinador. Uma informação prestada no balcão de atendimento, clara e cristalina, em alto e bom som, que se existisse qualquer tipo de fiscalização seria detectada com uma perna às costas.

Exemplos destes são às resmas, provando ser corriqueiro este tipo de mentalidade. Uns praticam-no para agilizarem os inconvenientes da burocracia e outros simplesmente para ganharem dinheiro. Todos nós, de um modo geral, encolhemos os ombros, fechamos os olhos e pensamos que não é um problema nosso. Face oculta?

Interrogo-me porque, perante este caso, a comunicação social e alguns comentadores parecem umas virgens pudicas que agora descobrem com olhos esbugalhados o que se faz num bordel. Acho que o motivo não é o facto de saber-se que neste país existe gente corrupta. Gente rica e importante. O que eu imagino que cause escândalo, o que merece a vergonha pública e um castigo exemplar foi o facto de terem-se deixado apanhar. Isso sim é horroroso.

Porque se o sistema da cunha e do suborno continuasse a funcionar sem estas acções policiais, o pessoal fazia o que sempre fez. Quer numa conversa de tasca, quer no elegante restaurante junto ao mar, sorri e diz palavras de franco apoio a quem se gaba dos seus feitos em driblar o fisco ou se acha esperto por conseguir comprar mais uma propriedade à conta de “contabilidade criativa”. Claro, isto enquanto cantavam o hino nacional nos jogos da Selecção e gritavam: Viva Portugal!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ágora





De Alejandro Amenábar já se espera qualidade. Mas a temática e a produção deste filme surpreendeu-me em absoluto. Não o encontrei em exibição em nenhum cinema nacional. Espero que esteja para breve.

(Tú no cuestionas lo que crees... Yo, sí...)


terça-feira, 3 de novembro de 2009

Fragmentos de um dilema

“A devoção tinha ido pela borda fora. De que servia rezar quando sabia que a sua alma ansiava pela própria destruição? Um certo orgulho, um certo respeito impediam-no de oferecer a Deus uma única oração à noite, embora soubesse que Deus tinha o poder de levar a sua vida enquanto dormia e enviar a sua alma para o Inferno, antes que pudesse suplicar-lhe misericórdia. O seu orgulho no seu próprio pecado, o seu temor a Deus, desprovido de amor, diziam-lhe que o seu pecado era demasiado grave para ser expiado no todo ou em parte com uma falsa homenagem ao Omnividente e ao Omnisciente.

Em relação aos outros, não sentia nem vergonha nem medo. Aos domingos de manhã, quando passava pela porta da igreja, olhava friamente para os devotos, que se aglomeravam, de cabeça descoberta, em filas de quatro pessoas, no exterior da igreja, moralmente presentes a uma missa que não podiam ver nem ouvir. A sua embotada piedade e o cheiro enjoativo do óleo capilar barato com que tinham untado as cabeças afastavam-no, com repugnância, do altar em que rezavam. Desceu ao pecado da hipocrisia diante dos outros, céptico perante a sua inocência que ele conseguia iludir tão facilmente.

A falsidade da sua posição não o incomodava. Se, por momentos, sentia um impulso de se erguer do seu lugar de honra e, confessando diante de todos a sua indignidade, sair da capela, bastava-lhe olhar para as caras deles para se abster.

O seu pecado, que o tinha ocultado da vista de Deus, aproximara-o mais do refúgio dos pecadores.

Era estranho. Tentou compreender como aquilo podia acontecer. Mas, o crepúsculo, crescendo no interior da sala de aulas, cobriu os seus pensamentos. A sineta tocou."


James Joyce, Retrato do Artista quando Jovem.


terça-feira, 27 de outubro de 2009

Jean



A boa música não têm prazo de validade.
Esta está no meu Top ten!


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Quanto vale um abraço?



Proveniente do blogue Por Detrás do Muro recebi “um muito grande, e verdadeiramente fraterno” abraço, representado pelo desenho acima.

O André Couto é o autor de uns textos impregnados de substância, de carácter e, simultaneamente, temperados com as inquietações de quem observa e sente o mundo que nos rodeia, e deslumbra-se com as pequenas/grandes maravilhas que a vida, nos seus mistérios, proporciona.

Gostei do desenho. É bonito. Gosto de gatos e de ilustrações assim. Fofinhas e de traços cândidos.

Por todas estas razões recebo com muito estima e gáudio este abraço virtual, ainda mais com a generosidade das palavras que o acompanham.

 

O acto de receber este prémio implica um exercício de escrita para responder a três questões. São elas:

 1 - Quem mais gostas de abraçar no presente?

2 - Quem nunca abraçarias?

3 - Quem davas tudo para poder abraçar?"

 

Bem, aqui vão as respostas:

1 – Primeiro tenho que dizer que não sou propriamente uma pessoa efusiva. Considero o abraço um acto exclusivo para com quem tenho uma forte amizade e confiança. Dou um abraço quando tenho mesmo vontade de o dar. Admito que, por outro lado, tenho abraçado pouco a algumas pessoas a quem o desejava fazer mais.

2- Sendo vago, nunca abraçaria alguém sem apetecer-me. Por nenhuma razão senão a de que não existiria sinceridade da minha parte. O abraço não é para mim, um panfleto que se entrega à entrada da estação de metro. Para a maioria das pessoas com quem lido diariamente um educado aperto de mão chega, e em alguns casos raros, até acho demais.

3- (Ui… Que maneira dramática de colocar a questão! Dar tudo…)

Vou embarcar na ideia de que, na resposta, devo referir a quem gostaria de abraçar um dia. Tenho que mudar o tom do meu discurso, pois realmente, existem alturas em que gostava de ser de outra maneira. Acho que realmente devo expressar um pouco mais os meus sentimentos. Mas, são hábitos instintivos de autodefesa, acumulados durante muito tempo. Que se há-de fazer?

Comecemos. Gostaria de dar um abraço a algumas pessoas que têm conquistado a minha admiração e amizade no decorrer destes quase dois anos de blogosfera.

Gostava de dar um abraço ao meu pai, aos meus irmãos e a três amigos em especial. Um abraço dado depois de uma certa conversa. Um abraço dado mesmo após sofrerem uma decepção. Um abraço apenas. Nem eram precisas palavras.

 

Agora, ditam as regras que devo reenviar este abraço. Já tive oportunidade de em outras ocasiões mencionar, com destaque, alguns blogues que merecem a minha elevada estima. Deixo regularmente abraços neles quando comento. Hoje queria dedicar este prémio, um abraço e um beijinho aos blogues de meninas (perdoem a familiaridade…) que, com a sua presença, alegram o meu Castelo d’areia.

 

Violeta

Free_Soul

Carpe Diem

Paula Cristina Rocha

Cristina Siqueira

Jasmim (este com saudade…)


(E a resposta à pergunta colocada no título é, para mim: quando sincero, pode valer a vida!)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A verdade do espelho

Dei comigo, ao tentar enfunar o nó da gravata, a observar-me fixamente ao espelho. Não porque me preocupasse a conjugação das cores da roupa, queria simplesmente olhar-me olhos nos olhos. Pode parecer um exercício ridículo, e de facto, pensando bem, é. Com espectadores não atrevo-me a tal figura.

Quem recorde Aparição de Virgílio Ferreira, talvez não estranhe tal gesto. Recordo bem a parte em que Alberto, enquanto criança, tem a surpreendente visão de si mesmo perante o espelho.

Até ler o livro pensava que esta coisa absurda era mais um exclusivo meu. Desde cedo, desde que lembra-me ser gente crescida, que custava olhar-me fixamente no espelho. Verdade. Não sei porquê, apenas não me sentia confortável. Fazia os habituais rituais de higiene mecanicamente e mal podia, o olhar era automaticamente dirigido para os lados ou para baixo. Havia latente um mal-estar que não sabia explicar bem. Apenas existia e não sabia lidar com aquele misto de vergonha, medo e alguns outros pequenos ingredientes. Ali perdia todo o meu poder e pose.

Por vezes ousava desafiava-me. Olhava-me com um ar sério, enquanto agarrava tensamente o lavatório, e formulava mentalmente a pergunta: quem és? Repetia-a e repetia-a até sentir a cabeça vazia. Então era como se tudo ao redor do espelho gira-se num gigantesco caleidoscópio que deformava a realidade. Doía.

Fui com o passar do tempo suspeitando que por trás deste estranho espectáculo solitário existia uma inconformidade com a vida; ali estava, sem tirar nem pôr, a evidência de que não era eu quem vivia. Ali estava a pessoa a quem eu não podia enganar com tretas; ali estava a pessoa quem eu tentava sufocar cada dia; ali estava a pessoa de quem eu não podia fugir, nem que fosse para o ermo mais isolado da Terra.

Foram todas essas coisas que recordei num ápice, ao voltar a confirmar que o nó da gravata estava a meu gosto. Sorri. Continuei a olhei-me ao espelho. Estou num processo de reconciliação com o rapaz daquele lado. Já percebemos que estamos no mesmo lado. Somos amigos, confidentes e cúmplices. Por nossa causa o mundo já não gira à maluca. Mesmo que venham tempos difíceis - que virão! - pelo menos estamos em paz, e isso é uma mais-valia.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Acordem-me então


Sempre quis usar esta música num post de Setembro.
Ainda mais porque hoje vão tocar em Lisboa!

sábado, 26 de setembro de 2009

Publicidade de sonho

Os meus sonhos – sonhos mesmo, os básicos, os do reino de Morfeu e os que Freud andou a ver se tinham alguma explicação – vão frequentemente buscar ingredientes á televisão. Nada de mais. Um local perfeito para coisas estranhas, para planetas de diferentes universos conviverem, para misturar o que nunca se tocaria noutra dimensão. Pois, são sonhos, o que se esperaria?

Recentemente, aparece-me nos sonhos, ao longe, um sujeito, vestido de preto, a dar uns pontapés manientos num objecto que parecia um guarda-chuva, daqueles pequenos que ficam encolhidos numa embalagem preta e cilíndrica. O sujeito de vez em quando lá dava também umas cabeçadas no objecto e também usava os ombros para dar toques. Às tantas pára e olha fixamente para mim. Eu penso: queres ver que me vai atirar o guarda-chuva? Antes que me dê conta, está ao pé de mim e com ar sério e grave, mas com voz de falsete diz-me: “Olá, eu sou o Cristiano Ronaldo e lavo os pés com sabão azul e branco.” Rapidamente, estende-me na direcção do nariz o dito objecto, que agora via nitidamente que era uma barra de sabão.

Acordei e olhei para o relógio. 3:47. Fui á casa de banho aliviar a bexiga e aproveitei para resolver a secura da garganta com um copo de água. Ao voltar para a cama, desejei voltar a sonhar com tudo, menos publicidade. É que para ver publicidade parva tenho muitas oportunidades acordado. Nos sonhos prefiro coisas mais surrealistas. E interessantes, já agora!

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Mais um para o clube

"Também eu gostava de saber a verdade, mas não sei. Assumir a minha ignorância é o ponto de partida para alcançar a verdade. Mas esse é um caminho difícil e inacabado,..."

Continua aqui. Excelente texto!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Escutem isto, escutem isto...

“- Já senti na pele todos os tipos de discriminação – diz Oshima. – Só as pessoas que alguma vez foram vítimas dela é que sabem de facto como isso dói. Cada um sente a dor de maneira diferente, cada um tem as suas próprias feridas. Por isso, preocupo-me tanto com a igualdade e a justiça como qualquer outra pessoa. Mas aquilo que mais me desgosta são as que não têm ponta de imaginação. Aqueles a quem T.S.Eliot chama «homens vazios». As almas que preenchem sem piedade a falta de imaginação com pedaços de palha seca, sem terem sequer consciência do que estão a fazer. Pessoas insensíveis que te lançam à cara palavras vazias de sentido, tentando obrigar-te a fazer o que não queres.

(…)

Mentes limitadas, desprovidas de imaginação. Intolerância, teorias desfasadas da realidade, terminologia barata, ideias dogmáticas, sistemas rígidos, essas é que são as coisas que realmente me assustam. É isso que eu mais temo e mais detesto nesta vida. Claro que a questão de saber o que está certo e o que está errado é muito importante. Todos nós cometemos erros de julgamento que podem eventualmente ser corrigidos. Desde que tenhamos coragem para reconhecer que erramos, as coisas podem compor-se. Agora, espíritos tacanhos e intolerantes, sem imaginação, são como parasitas que transformam o hospedeiro, mudam de forma, sobrevivem e vingam.”

Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

(Sei que ocupar um post com uma citação, e mais esta que parece um pouco extensa, pode ser sinónimo de falta de inspiração. Se calhar até é, mas aqui está presente outra intenção. Outro sentimento que não apenas o difundir frases bonitas, que o são, e que merecem posts.

Vejamos. Quando comecei a ler esta parte do livro, embora fosse a típica leitura mental, parei, voltei ao inicio e recomecei a ler sem respirar, cada vez mais depressa, mais depressa. Terminei a narração deste diálogo sem fôlego a olhar para um ponto imaginário da parede. Como gesto automático e consequente, dei por mim, com o livro fechado na mão direita, mas com o dedo indicador a marcar a página, à procura de alguém a quem lesse esta parte do livro. Queria que alguém entendesse como elas palavras disseram alguma coisa, como encaixaram na minha mente muito facilmente, tal como uma peça de puzzle, uma de contornos muito invulgares.

Parei a tempo, embora o coração continuasse a bater na expectativa. Lembrei-me que, por enquanto, parte do caminho da partilha tem que passar aqui.)


P.S.- Assuntos de ordem técnica. Vou andar a fazer experiências nas listas de blogues aqui ao lado. Como o tempo é pouco, isto vai aos poucos. Que ninguém fique magoado se temporáriamente desaparecer alguma referência ao seu blogue.

sábado, 12 de setembro de 2009

Cento e dez minutos (aproximadamente)

Aquele filme não seguiu o percurso habitual.

Não sei como, não passou no crivo da antevisão censorial prévia. (Censura seria uma palavra forte para alguns, que apenas definiriam tal acção como “uma escolha informada a fim de sermos poupados a coisas que, em nome do divertimento, prejudicar-nos-iam”). Talvez supôs-se que o facto de ostentar grandes nomes da sétima arte fosse uma garantia que dispensava preocupações; ou as fotografias de promoção. E o titulo. Sim, o título era um tanto ou quanto inocente.

Assim que, no cinema, naquela escuridão que envolve um filme, aconteceu o inevitável. Perante o passar do tempo, o tempo de exposição à história; perante o acompanhar, o acompanhar dos pensamentos e acções das personagens, o ritual surgiu. O leve barulhinho das curtas movimentações corporais na poltrona, quais pequenos sinais de uma incomodidade interior. O toque discreto, mas inconfundível q.b. no braço ou na perna do vizinho, para assumir uma perplexidade inocente. Cada um podia assim, desta maneira, anunciar que não era por gosto, nem sequer por uma empatia cristã, que via aquelas coisas. Podia assim ficar claro que esperava ansiosamente a aparição da escuridão no ecrã e de luz na sala para trilhar o caminho de saída. Era o mínimo, a pequena acção purificadora pela estada naquele local onde destacavam-se momentaneamente, como que num altar, personagens desconexos e com atitudes pecaminosas.

Eu senti-me paralisado. É verdade que nem sequer me lembrei de dar os tais sinais tácteis ao colega do lado. Mas, uso a expressão paralisado para tentar explicar o que sentia. Mas não sei se a palavra é a mais exacta para definir o meu estado de espírito naquela ocasião. Não fiquei bloqueado, atónito ou com as mãos agarradas á poltrona em pânico. Nada disso. Foi como se estivesse perante um “dejá vu” que nunca tinha vivido. Era um filme completamente estranho e no entanto sentia que sabia como ia acabar. Começou logo nas primeiras palavras. Palavras de despedida escritas num papel arrumado dentro de um envelope. Uma despedida da vida; de uma vida. Palavras que me chocaram pela brancura. Pela pureza. Pela semelhança. Tudo desfez-se. Era apenas eu e aquele filme. Algo ia acontecer, a qualquer momento, que invadiria o meu reservado espaço interior e eu não sabia se estava preparado para tal facto. Foi essa sensação. Se a palavra paralisia é adequada, não sei.

The end. Quando terminou, não sei se fiquei contente ou triste. Apenas pensei que tinha que, perante a luz reveladora da sala, assumir a postura politicamente correcta. Cara alegre típica de quem saía do cinema. Mas sabia que era urgente encontrar um espaço e tempo para ficar a sós e tentar entender o que vi. Senti, com a certeza que as borboletas no estômago dão a alguém, que aquele filma tinha mais coisas para me contar do que as que naquele momento eu saberia repetir de memória.

Saímos. Encontrei-me submerso por uma onda reprovadora do filme. (“…mulheres a beijarem-se?”). Sorria ao mesmo tempo que pensava na gigantesca ironia que aquele filme cada vez mais assumia ser. Se eu, num acesso de desespero louco ou um fino rasgo de humor negro, quisesse enviar uma mensagem encriptada sobre o que era a minha vida, sobre o que era a minha cabeça, sobre o que era a minha luta, não teria feito melhor. Ali foram ditas em voz alta, perante aqueles que pensam conhecer-me, frases que repito na minha pele, nos meus sonhos, como dores.

Ali estava mais uma vez confirmadas as minhas suspeitas. Dois mundos entrelaçados mas divididos pel’As Horas.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Luna


Obviamente, dedicada a uma sobrinha lindissima!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Palavras mais que palavras

“- Não existe a palavra da salvação, mas existem palavras salvadoras, aquelas que nos fazem aguentar. Só percebi isso no meio de uma tragédia pessoal, quando comecei a receber sms a dizer "Sei que as minhas palavras não têm importância..." Claro que têm importância. Se não fossem essas palavras, o que seria?”

Frase tirada daqui.


(Li esta entrevista porque o tema do livro chamou-me a atenção. Depois, no curso da leitura, fui admirando a ideia do autor e a maneira como a entrevista estava elaborada. Terminei exteriormente emocionado - coisa que me está a acontecer cada vez mais, surpreendendo-me - ao aperceber-me o drama pessoal do autor. Do alto do enorme saber que ele têm para falar destas coisas, extraí esta frase da entrevista!)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Por detrás de um muro existe generosidade



O blogue Por detrás do muro atribuiu - com o espírito de partilha e incentivo que também caracteriza a parte positiva da blogosfera - ao meu Castelo d'Areia o selo que ostento acima. É graciosa a intenção de mostrar graficamente que a leitura de alguns blogues é tão viciante que, por vezes, até custa largar o computador para ir comer.

Uma palavra de agradecimento ao André Couto pela generosa lembrança que teve ao incluir-me, no seu ponto de vista, nesse patamar. Agradeço e, mesmo parecendo falta de modéstia, sinto-me contente pelo facto.


segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Encerramento

Cerimónia oficial de encerramento do mês de Agosto. (Do blogue ainda não se livram...)

 

 

Esta é a música oficial da cerimónia de encerramento deste mês, qual pináculo temporal da silly season. Neste blogue, bem entendido! Acabou-se por agora a fantochada contínua. Claro ela que virá de vez em quando, qual pitada de sal necessária para temperar os insonsos pratos que esta vida, de vez em quando, confecciona.

Nada melhor do que ter o Bobby Mcferrin, como convidado, a cantar para animar o pessoal cá do castelo a não se ralar demais com as coisas sérias.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O verdadeiro objectivo dos terroristas

Um relatório do SIS e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recentemente revelado, informa que os atentados perpetrados nas cidades de Nova Iorque (11/09/2001) e Madrid (11/03/2004) estavam destinados a ser cometidos, única e exclusivamente, na cidade de Lisboa. Dois terroristas, provenientes de algum lugar do Médio Oriente, chegaram a Lisboa com a firme determinação de executar o "castigo merecido nos infiéis portugueses". Tal castigo nunca pôde ser levado a cabo. Eis a história, até agora desconhecida, dos dois terroristas uma vez chegados ao nosso país:

 

Domingo, 23h47

Chegam ao aeroporto da Portela, vindos da Turquia, e saem do aeroporto com oito horas de atraso depois de conseguirem recuperar as bagagens que estavam perdidas. Apanham um taxi. O taxista vê-os pelo espelho e ao ver a pinta de turistas que tinha, resolve passeá-los por toda a Lisboa durante uma hora e meia. Ao ver que não abriam o bico depois de lhes ser cobrado 200 euros pela tarifa, resolve tramá-los e, por telemóvel, chama um cúmplice que entra no táxi na Rotunda de Algés. Depois de uma carga de porrada e de lhes terem roubado todos os seus pertences, deixam-nos em Monsanto na companhia dos esquilos.

 

Segunda-feira, 8h30

Ao acordar, depois da carga de porrada, conseguem chegar a um Hotel da Segunda Circular. Mais tarde, ao viajarem de carro do hotel para o centro, são confrontados com uma manifestação da Fenprof, em conjunto com uma de funcionários camarários, outra de agricultores do Alentejo juntamente com alguns condutores de tractores do Oeste. Ficaram retidos no trânsito por tempo indeterminado.

 

Segunda-feira, 15h30

Chegam ao Rossio (Por fim!). Precisam de trocar dinheiro para se movimentarem, sem levantar suspeitas. Os seus dólares são trocados por notas de 50 Euros - falsas!!!

 

Segunda-feira, 15h45

Chegados à Portela, tentam embarcar num avião para que o fazerem cair sobre a Ponte 25 de Abril. Os pilotos da TAP estão em greve. Exigem que lhes quadrupliquem o seu ordenado e reduzam as suas horas de trabalho. Os controladores de voo queixam-se do mesmo. O único avião em pista é da Sata Internacional e já tinha 13 horas de atraso em relação à hora prevista da sua partida. O pessoal de terra e os passageiros acampam no aeroporto, gritam palavras de ordem contra o governo e os pilotos. Chega a brigada de intervenção da PSP e distribui paulada por todos os presentes.

 

Segunda-feira, 19h00

Por fim, os ânimos acalmam-se. Dirigem-se ao balcão de uma companhia não identificada e pedem dois bilhetes para o Porto. Sempre com a intenção de o desviar e fazê-lo explodir contra um dos pilares da ponte. Mas o funcionário do balcão vende-lhes bilhetes, apesar do avião já não ter lugar disponíveis. Gastam duas horas a saber o que lhes aconteceu para não conseguirem entrar no avião.

 

Segunda-feira, 21h00

Tendo em conta o avançado da hora, discutem entre si se deverão executar o seu plano ou não. Pois, fazer explodir a ponte e tudo ao seu redor já lhes parece mais uma obra de caridade do que um acto terrorista.

 

Segunda-feira, 21h30

Mortos de fome, vão comer algo no bar do Aeroporto, pedem duas chamuças e rissóis de camarão com salada russa.

 

Terça-feira, 05h35

São finalmente atendidos no Hospital de São José devido a uma “dose de cavalo” de salmonela causada pela salada russa. A recuperação teria sido rápida não fosse o desmoronar do tecto da enfermaria onde estavam, devido a uma infiltração de humidade.

 

Terça-feira seguinte, 19h00

Uma semana depois têm alta do hospital e ao passarem pelo Bairro Alto vêem-se envolvidos numa rixa entre gangs rivais de skins que se unem para lhes dar outra valente sova. Decidem "dar de beber á dor" visto que nada lhes sai de feição. Várias garrafas de “uísque” de Sacavém leva-os outra vez ao hospital com uma infecção por consumo etílico.

 

Quarta-feira, hora incerta

Escondem-se num contentor do primeiro barco que encontram e resolvem fugir do país na esperança de chegar a Marrocos. Com uma ressaca monumental juram não voltar a tentar nada no nosso "abençoado" país. Decidem faze-lo nos EUA, e mais tarde em Espanha, por ser muito mais fácil!


(Recebido por e-mail)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

E se o Dr. House fosse feito nos Açores?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Quem disse que certas religiões não são sensíveis ao sofrimento e aos direitos humanos?


(Não sei se a tradução é fiel ao que foi realmente dito ou é se é apenas uma brincadeira. Se a tradução é séria, então é um exemplo clássico de como funcionam alguns cérebros religiosos; se é simplesmente uma brincadeira, está muito bem concebida. Eu, num certo sentido, preferia que fosse uma brincadeira. Sendo verdadeira a tradução, depois de rir, há que ficar muito triste.)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009



Recebido por e-mail. Infalível...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

...all the rest



O quanto eu queria estar em Portimão amanhã para ver estes senhores! Entre outras coisas, cantava esta música até que a voz me doesse...

"When my time comes
Forget the wrong that I've done,
Help me leave behind some
Reasons to be missed."


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Meu querido mês de Agosto

Desbravando caminho entre os habituais dias de calor e uns intrometidos dias frios e chuviscosos chegou enfim o mês de Agosto. Mês que me dá, por norma, um sabor agridoce. O lado doce é representado pelo auge ansiado de um ritmo pasmaceiro e veraneante com que tentamos atirar para o esquecimento as desgastantes rotinas dos meses anteriores. A contribuição ácida vem de sentir que o fim do ano já está a espreitar à esquina; quando termina Agosto e começa a sequência dos meses terminados em “bro” é uma autêntica devastação emocional para quem já não acha muita graça á rapidez com que as festas de aniversário se sucedem.

Mas, este ano faço um esforço para carregar no sabor açucarado de Agosto. Oficialmente, esta atitude é marcada por uma alteração visual no meu blogue. Novo cabeçalho.

No passado já abusei da ideia metafórica do castelo de areia como algo que esconde, que protege, mas que, paradoxalmente, é tremendamente frágil e pode sofrer uma derrocada a qualquer momento. Assim, andava com vontade de adornar o título para que transmitisse uma concepção mais animadora. Praia, areia, e coisas afins.

(1, 2, 3, e… já lá está em cima!)

O meu gáudio é ampliado pelo facto de que o novo cabeçalho tem a assinatura do Vasco. Entre os seus vários predicados, trata-se de um dos bloggers mais expeditos, imaginativos e originais no uso de desenhos e fotografias.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Casca

Sempre acreditei que são as coisas que não escolhemos que nos tornam aquilo que somos.

A nossa cidade.
O nosso bairro.
A nossa familia.

...as pessoas orgulham-se dessas coisas. Como se fossem feitos seus.
Os corpos que envolvem as suas almas. As cidades em torno delas.

(Filme "Gone Baby Gone", de Ben Affleck)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Porque o contador chegou aos 10 000!


Dedicado aos que paulatinamente fizeram aparecer este número. É muita visita!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Intervalo para publicidade




Bem pensado e divertido!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Prémio FJ


O Blogue Felizes Juntos generosamente atribuiu um prémio ao meu castelo. Junto com a bonita imagem, dedicou estas palavras exclusivas:

"pelos espinhos e pela certeza de se ser."

E apreciei o facto de estar incluido na secção

# e ainda... #
Todos os outros com quem aconteceu ainda não nos termos cruzado, mas que muito gostaria que acontecesse.

Muito agradeço a distinção. Ainda mais quando recordo que foi do Paulo e do Zé que recebi o primeiro prémio de todos, ainda andava eu com um hesitante e timido caminhar na blogosfera. Muita água passou por baixo das pontes e a vida avança. Com espinhos e certezas; com rosas e dúvidas, também.
Abraço!


quarta-feira, 15 de julho de 2009

Refleões sobre uma frase solta

“Quis mudar o mundo, mas acabei por começar a mudar-me a mim.”

Esta foi a essência da frase que ontem escolhi para o meu post que, num blogue judaico, tinha chamado a minha atenção. Possivelmente na sua génese foi pensada para criar um efeito que, se calhar, não foi aquele que agarrei. É assumidamente uma frase meio dúbia, daquelas que ficamos a olhar para ela e a pensar: “mas onde é que esta menina quer chegar?”

Para mim a leitura foi clara. Eu, na origem, tentei mudar o meu mundo. Mal. Ignorei-o na sua genuinidade e quis pintá-lo com as cores do meu desejo.

(“Meu desejo?” Mas o que é que estou para aqui a escrever? Devo estar parvo…)

Quis maquilhá-lo, quis transvertê-lo como os cânones – o desejo, mas dos outros - mandavam.

Por isso mais do que mudar o mundo de uma maneira idílica, quis adaptar-me acriticamente ao que ele queria para mim. Quis ser o azulejo de Nossa Senhora de Fátima na parede da vivenda; quis ser o naperon em cima da televisão; quis ser a couve viçosa no quintal.

Quis mudar assim o meu mundo. Aquele mundo interior e de secreto sentir. Mas não consegui. O meu mundo imobilizou-se apenas. Fingiu estar em coma. Armou-se numa estátua onde conviviam e defecavam os pombos. A sua grande vingança foi que afinal hibernou. E quando apanhou a jeito a mais ténue e irregular luz, sentiu-se aquecido e mexeu-se. Cada vez mais determinado. Imparável. Revoltado até pela injusta reclusão.

Por isso, não consegui mudar o mundo, nem nada que queria ter mudado em nome de uma normalidade defendida pela ditadura da maioria. Resta-me mudar a mim. Se calhar, sendo muito rigoroso, nem estou a mudar nada, estou afinal a ser quem sempre fui. Mas, prontos, dentro desta legitimidade pseudo-gramatical tal acção pode considerar-se uma mudança.

Por isso perdoe-me o rabino que pensou e escreveu aquela linda frase, por a estar a usar desta maneira tão minha, mas as frases são como os balões de hélio. Soltamo-los e depois cada corrente de ar faz com ele o que quer.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

Por onde começar

“Quando eu era jovem, queria mudar o mundo. Tentei, mas o mundo não mudou. Tentei mudar a minha cidade, mas a cidade não mudou. Tentei mudar a minha família, mas a minha família não mudou. Então, eu soube: primeiro, eu deveria mudar a mim mesmo.”

(Lido aqui)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Paraíso

Estar numa varanda.

Ver o dia a nascer.

Descascar e comer uma laranja em jejum.

Ter á frente a planície alentejana.


Sentir a frescura da noite que se despede da terra e, trazida pela brisa, afaga-me a cara antes de se dissolver no alto; ver a luminosidade do dia a piscar os olhos, ainda sonolentos, ao mesmo tempo que inunda todos os reguinhos do solo.


O paraíso existe. Está na planície alentejana.

(Meu Deus, como tinha tantas saudades tuas, terra da minh’alma!)


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Vertigem (ou coisa parecida)


Nesse início de dia, a auto-estrada parecia feita apenas para mim. Os poucos carros que encontrava nem faziam a diferença. O sol bem que tentava impor-se no horizonte, mas o ar meio enevoado não lhe dava acesso ao protagonismo que ele tanto gosta. O ambiente, a certa altura, fazia lembrar um filme. Um filme qualquer, naquelas partes lentas, em que, embora tudo seja previsível e artificialmente arrumadinho, ficamos encantados com o magnetismo doce da cena; qualquer frase mais ou menos rebuscada, que é dita num contexto assim, soará a máxima que nos marcará a vida como um ferro em brasa na pele.

Pois eu estava assim. Parvo e deslumbrado. Com vontade que a auto-estrada não tivesse fim, e a gasolina também não. Flutuando no alcatrão.

Eis que no CD chega a vez de Creep. Pois, faltava a música! Alto, mais alto.

A música, a estrada, a paisagem. Fiquei tonto. Algo em mim ultrapassou a fronteira do corpo. A música, embora tentasse estilhaçar-me os tímpanos, era minha aliada numa forma estranha de simbiose. Envolveu-me. Tentou pôr-me fogo nos olhos; insistiu em chegar a algo que está dentro. Só me apeteceu dar com a cabeça em alguma coisa para ser congruente. O esporádico arranhar de notas na guitarra eléctrica provocou-me uma breve convulsão.

I don't care if it hurts
I wanna have control

Por fim terminava. Olhei para o ponteiro da velocidade e nem sei como lá tinha chegado. Baixei o som. Voltei a colocar a música no princípio – faixa 4 – e preparei-me para escutá-la outra vez.

Decididamente.

What the hell am I doing here?
I don't belong here
I don't belong me.

sábado, 27 de junho de 2009

MJ


Primeiro, vi a notícia na telegráfica frase colocada em rodapé no programa informativo da manhã. Pisquei com força os olhos e decidi esperar por uma segunda leitura, para ter a certeza de que não se tratava de uma alucinação, provocada pelo sono que teimava em abandonar o cérebro. A repetição da frase, passados uns minutos, veio confirmar a surpresa. Michael Jackson morreu.

Não acho que alguém - relembrando as palavras da sabedoria popular - só pelo simples facto de ir embora ou morrer se torne inexoravelmente boa. O conceito que tenho de alguém, enquanto vive e age, continua a ser válido, pese qualquer mudança na sua situação, por mais dramática que seja. No entanto, sempre é lamentável o desaparecimento de um ser humano. Representa a derrota diária da tentativa de dar um sentido á nossa existência; anuncia repetidamente a grandiosa incoerência deste grão de pó que navega, ou não, no universo.

Filosofias á parte, o desaparecimento de MJ deixou-me abatido. Como artista, fazia parte das boas coisas da minha vida; daquelas coisas que adornam, que dão som e cores, que estão suavemente presentes. Como não ficar triste, se, para complicar, sou muito conservador de memórias?

Thriller foi um álbum que marcou a minha vida. Para lá das músicas, pois claro! Recordo que adquiri-o usando a técnica do cravanço, sustentado por um choradinho meio infantil, que usava na época. Foi encomendado na revista do Circulo de Leitores e, acto posterior, passei dias a perguntar se ele já tinha chegado. Quando finalmente chegou, instalei-me no sofá, depois de certificar-me que ninguém entraria na sala, e estreei solenemente a nova aparelhagem de casa (auscultadores fofinhos incluídos). Ainda hoje lembro o susto que apanhei quando a música que deu o nome ao álbum iniciou-se com o barulho de uma porta a abrir lentamente, e eu pensei que era a porta da sala…

E o MJ estará sempre ligado a esta pequena história da minha vida.

Mais recentemente vi um programa da BBC acerca dele, em que se deixou filmar no seu quotidiano e até respondia a algumas questões, inclusive acerca da hipotética acusação de molestar crianças. Deu-me pena. Parecia um desafortunado que não sabia em que mundo andava. Tive a sensação de ver alguém perdido na vida e a quem toda a gente queria estar perto para sacar alguma coisa. Não acredito que fosse feliz. Se o era disfarçou bem.

Pode ser pecado dizer o que vou dizer, mas tenho mais pena pelo que viveu do que pela sua morte. Gostava que continuasse vivo, que a sua tournée fosse um sucesso enorme, que renascesse das cinzas qual Fénix, que encontra-se alguém que o amasse pelo que era como pessoa, que muda-se a sua vida e, fosse feliz. Nem que fosse por um instante. Acho que merecia...

Creio que a sua morte dói para quem fica. A saudade, a falta, as memorias. Quem morre, já não deve preocupar-se com essas coisas.


Paz á tua alma MJ! Que a tenhas agora, porque parece-me que em vida não foste bafejado pela sorte!