sábado, 28 de março de 2009

Pergunta / Resposta

Perguntam-me.

Gostavas de ser feliz?



Respondo.

Gostava de ser corajoso como a pedra granítica exposta às intempéries e ao passar das eras.

Gostava de ser sincero como a água vítrea que percorre mil curvas entre as pedras polidas do riacho.

Gostava de ser devotado como o sol madrugador a acariciar o musgo das velhas telhas.

Gostava de ser intenso como a semente diminuta lançada ao solo num dia de suor.

Gostava de ser imprevisível como o vento teimoso que faz cabriolar uma folha outonal.

 

 

(não sei se respondi à pergunta…)


quinta-feira, 26 de março de 2009

sábado, 21 de março de 2009

Chagas de Amor (por causa deste dia, hem...)

Este dia mundial da poesia apanhou-me com Federico García Lorga nas mãos. Assim, é com um soneto traduzido em português que presto a minha homenagem a este dia. Mas, recordando que a poesia é para todos os dias. Ai de nós se assim não fosse…

 

 

 

Esta luz, este fogo que devora.

Esta paisagem gris que me rodeia.

Esta mágoa por uma só ideia.

Esta angústia de céu, de mundo e de hora.

 

Este pranto de sangue que decora

Lira sem pulso já, lúbrica teia.

Este peso do mar que me golpeia.

Este lacrau que no meu peito mora.

 

São grinalda de amor, cama de ferido,

Onde, sem sono, sonho-te a presença

Entre as ruínas do peito meu sumido;

 

e embora eu busque o cume de prudência

dá-me teu coração vale estendido

com cicuta e paixão de amarga ciência


 

Federico García Lorca

Tradução de José Bento

In Antologia Poética, Edições Relógio D’Água

 

 

 

quinta-feira, 19 de março de 2009

Braga, Braga, Braga


Já há algum tempo que tinha vontade de dedicar “tempo de antena” à cidade dos arcebispos. Tenho uma crescente admiração por esta cidade. Assuntos não faltam para ter uma boa desculpa para a elaboração de um post.

Hoje, depois de ter terminado o jogo com o PSG - mesmo sendo eliminada a equipa arsenalista - apeteceu-me ter estado lá naquele estádio a gritar: “BRAGA! BRAGA!” 

Pela atitude, pela dignidade, pela coragem. Foi uma lição bem dada…

 

Braga forever!

Eu até sou cliente de outra empresa, mas este anúncio está genial!



Não é publicidade, é mais rir com uma boa ideia!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Del Amor Desesperado







La noche no quiere venir
para que tú no vengas,
ni yo pueda ir.

Pero yo iré,
aunque un sol de alacranes me coma la sien.

Pero tú vendrás
com la lengua quemada por la lluvia de sal.

El día no quiere venir
para que tú no vengas,
ni yo pueda ir.

Pero yo iré
entregando a los sapos mi mordido clavel.

Pero tú vendrás
por las turbias cloacas de la oscuridad.

Ni la noche ni el día quiren venir
para que por ti muera
y tú mueras por mí.



Poesia de Federico García Lorca



(Isto hoje extravasou um bocado... Deve ser o efeito do post 200!)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ubíquo

Não te vás já embora. Fica mais um pouco.

Deixa-me fechar os olhos e observar-te. Deixa-me escutar o silêncio das tuas palavras. Deixa-me ser encorajado pelos teus medos.

 

Fica. Apenas mais um pouco.

Pode ser um eterno minuto ou uma efémera hora. Escolhe.

 

Irás. Mas, hesitas.

Isso vale mais do que a soma e a multiplicação ao cubo de todas as palavras do dicionário que se relacionem ou sejam derivadas de “alegria”, “positivismo” e “coragem”.

 

Agora vais. Tens que ir.

Mas, o hiato que passou entre o dizeres que te ias e quando realmente fostes valeu todas as palmadinhas afáveis nas costas, todos os apertos solidários no ombro e todos os abraços intensos que foram dados hoje no mundo inteiro.

 

Foste.

Mas afinal ficaste.

 

quinta-feira, 12 de março de 2009

Foi na Alemanha, mas também pode assistir a um num monitor perto de si

A notícia do massacre perpetrado na Alemanha por um rapaz de 17 anos, levou-me a recordar algo que tinha em mente, um dia destes, compartilhar aqui. Tratou-se de uma determinada situação que, quando a presenciei, perturbou-me, tal como aqueles pequenos e repentinos enjoos que nos fazem parar, esticar cegamente o braço para sentir um apoio e perscrutar rapidamente algo parecido com um banco para nos sentarmos por uns instantes.

O local em causa é a sala da internet sita na Biblioteca Municipal. É eficientemente bonita, bem equipada, e normalmente cheia de jovens em idade escolar. Enquanto espero uns poucos minutos por uma vaga, observo de relance os monitores. Poucos estão a estudar, a fazer pesquisas ou a consultar a sua caixa de e-mails. Jogos. Simplesmente a jogar on-line.


(“E qual é o problema?” - autocensuro-me. Lembro-me de que também gosto de perder tempo a jogar; aqui os pobrezitos simplesmente estão a aproveitar o tempo depois da escola e antes de irem para casa, onde farão os trabalhos de casa e estarão com os pais. “Deixa lá de ser um cota rezingão!” - repito de mim para mim.)


Indicam-me o computador 8. Lá vou. Aqui não existe privacidade; é um local público e não está preparado para navegar em páginas, digamos, mais reservadas. Tudo bem, na maior! Enquanto espero pela abertura das minhas páginas, olho, como quem não quer a coisa, para o monitor vizinho ocupado por um pré-adolescente - a jogar, para não fugir à regra. Fixo a minha atenção um pouco mais no jogo onde está embrenhado. Não é por ser um jogo de guerra; isso já não é nenhuma novidade.

Simplesmente fico aluado perante os detalhes do jogo. Neste, em particular, não oferecerem ao jogador apenas realísticos equipamentos e cenários; oferecem-lhe, como o esplendor possível, todos os requintados detalhes que acompanham um intenso massacre. A perfeição do sangue espalhado na parede após o disparo, a visão do corpo mutilado e retalhado após o projéctil ter feito o seu trabalho; as expressões agonizantes da vítima, antes e depois do disparo. E, tem que ser um jogador empenhado, pois níveis mais desafiadores esperam os audazes. Claro que sempre existe a dificuldade acrescida de se acumular corpos nas ruas.


Acordo. A minha atenção fixa-se agora nos jogadores reais. É interessante ver os petizes a sorrirem de prazer ao acumularem pontos conquistados em assassinatos virtuais. E, virarem-se para outros colegas, nos outros computadores, e a orgulharem-se, em alto e bom som, dos troféus de guerra já conseguidos. Para ser fiel ao que escuto e para reproduzir exactamente as referidas conversas teria que incluir as expressões “matei-os todos”, “despedacei-o” e “dei-lhe cabo da cabeça toda”, entre outras pérolas.

Volto-me para o meu monitor, e trato da minha vida. O enjoo chegou, ainda bem que estou sentado.


Por favor, não me digam que isto é normal; não me chamem retrógrado por ficar espantado; não invoquem a necessidade de eles gastarem testosterona; não comparem isto com as guerras de índios e cowboys que tínhamos nas ruas usando pistolas de pau. 

Não vou ao extremo de acreditar que estes miúdos quando saírem do jogo vão matar alguém na rua ou em casa. Sei que muitas pessoas adultas gostam deste tipo de jogos e não têm inclinações assassinas. Sei que não existe uma relação matemática entre o tempo que se gasta nestes jogos e os assassinatos cometidos cada dia.

Mas, também não me digam que este jogos são completamente inócuos. Dizer que não fazem absolutamente nenhum mal às cabecinhas das crianças é como dizer que os jogos pedagógicos também não servem absolutamente para nada de positivo. O que tem poder para construir também pode destruir. O que pode ajudar também pode prejudicar.

O que me choca é achar-se normal passar a mensagem – mais ou menos subliminar - a jovens em formação, de que o massacre virtual de outros humanos é um desporto onde até se pode ser campeão. O que me deixa a pensar é se não estamos a dar-lhes acriticamente um conceito do pouco valor da vida humana. O que me faz sentir um aperto no peito é que se fosse um jogo onde se massacrassem animais talvez mais gente se indignasse do que um onde se esmigalha – literalmente - seres humanos virtuais.

Desculpem a minha ingenuidade, decerto estou a reflectir um popular conceito empírico, em que falta a análise profissional de investigadores da mente e do comportamento humano. Mas, é culpa do enjoo.

(Estou sentado, já passa…)

Alentejano...

Um alentejano apanha um comboio para ir a Lisboa e senta-se ao lado de um senhor muito bem vestido. O alentejano começa a olhar e pergunta: Por acaso você nunca apareceu na televisão? 

Ao que o dito senhor, sorrindo, responde: Sim, eu costumo ir a muitos concursos de cultura geral e por isso o Sr. deve-me conhecer daí. Olhe, como a viagem vai ser longa, você por acaso não quer fazer um jogo comigo?

Pode ser, respondeu o alentejano.

Então fazemos assim - propõe o senhor dos concursos - como eu tenho mais cultura que o senhor, você faz-me uma pergunta sobre um assunto qualquer e se eu não souber responder, dou-lhe 50 euros. A seguir faço-lhe eu uma pergunta e se não souber a resposta, dá-me só 5. Concorda?

Vamos a isso, responde animado o alentejano.

Então eu faço-lhe a primeira pergunta. Diga-me o nome da pessoa que escreveu "Os Lusíadas", aquele poeta só com um olho, que dignificou Portugal? O alentejano começa a pensar e passados alguns instantes diz: Nã sei. Ê nã sei leri.

A resposta era Luís de Camões. Dê-me os mil escudos e agora faça-me uma pergunta qualquer, diz condescendente.

Tomi. Depois pergunta: bem, qual é o animali que se o encostar a um chaparro sobe-o com quatro patas e desce-o com cinco patas?

Olhe, essa nem eu sei, responde o homem muito admirado.

Então passe para cá os 50 euros, exige o alentejano.

Tome - acede o senhor dos concursos - Mas agora diga-me, que animal é esse?

Tamém nã sei. Tome lá 5.


(Recebida por e-mail e dedicada com muito carinho ao que de melhor existe neste pais: o Alentejo e seu povo)

terça-feira, 10 de março de 2009

Shakespeare, I Presume?


Descobriu-se uma pintura que andou mais de 300 anos escondida e que retrata o bardo inglês com 46 anos. Afinal, parece que todas as pinturas até agora conhecidas e que o retratavam eram apenas cópias. 

Noticia do Jornal Público. Mas, a edição de ontem do El Pais acrescentava também a incerteza que existe sobre a quem eram destinados os seus famasos Sonetos. Não é que agora estão com dúvidas sobre a orientação sexual do escritor inglês?

segunda-feira, 9 de março de 2009

Grelos, Queijo & Companhia

Voltando á cozinha.

Gosto de aproveitar os frutos e legumes no tempo em que a natureza naturalmente os desenvolve. Ultimamente deixei-me seduzir pelos grelos, ou espigos, que reluzem no mercado e, que depois acumulo com os que aparecem pelas mãos de gente generosa que, moldadas pela vivencia rural, assumem quotidianamente a alegria da partilha.

O que acontece é que tenho que prepará-los, cozinhá-los e congelá-los para futuro consumo. Gasta-se um dia ou dois na cozinha a fazer o mesmo, mas depois durante uns tempos é um regalo ir ao congelador e ter lá coisas boas prontas a comer. (Até pareço a Maria de Lurdes Modesto a falar…)

Fartei-me de fazer várias nuances de esparregado. Mas, também descobri e fiz uma receita, para consumo imediato, com estes deliciosos itens verdinhos:


Grelos com molho de queijo

 

 

Deitei um pouco de azeite numa frigideira, ao qual, depois de aquecido, acrescentei um pouco de farinha, sempre a mexer e até cozer um pouco e ficar espesso. Juntei então um copo de leite e continuei a mexer.

Quando o molho ganhou consistência, juntei umas cem gramas de queijo. Optei pelo da Ilha (S.Jorge, Açores) devido a ser um dos meus preferidos, mas pode usar-se qualquer outro. Continuei a mexer até todo o molho ficar homogéneo.

Entretanto, coloquei os grelos já prontos e quentinhos no prato e depois reguei-os com este molho.

Ovos estrelados para acompanhar. Polvilhei tudo com um pouco de coentros picados, erva aromática na qual sou viciado.

 


Esta é uma adaptação que fiz da receita original que encontrei aqui, e de onde tirei também a fotografia acompanhante.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Se

Mas por vezes, na rua, sem reflectir, com um gesto natural, ela tomava-me o braço, e então, sim, eu dava por mim a chorar essa outra vida que poderia ter sido, se alguma coisa se não tivesse quebrado tão cedo.

... era o curso inteiro dos acontecimentos, a miséria do corpo e do desejo, as decisões que se tomam e que se não podem fazer voltar atrás, o próprio sentido que escolhemos dar a essa coisa a que chamamos, talvez erradamente, a nossa vida.


In As Benevolentes, de Jonathan Littell

terça-feira, 3 de março de 2009

Forever

Neste despertar de Março, acrescento mais uma música para a minha banda sonora de 2009. Desta vez armei-me em arqueólogo e recuperei uma antiguidade; uma preciosidade dos meus adolescentes e gloriosos anos oitenta. Esta música teve então os seus momentos de glória nos rádios e nas cassetes de muita boa gente. Entretanto, no que me diz respeito, a certa altura, ela sofreu uma espécie de mutação.

Quando, passada a moda, chegou a altura de coloca-la no seu devido lugar, que é a caixa das simpáticas recordações que, de vez em quando, gostamos - e necessitamos - de revisitar, ela ganhou vida própria, escapou-se-me e fugiu. Mas, não foi para muito longe; juntou-se a um grupo de melodias rebeldes que teimam em não ser encerradas num limite temporal.


Desde então, quando em certas alturas estou sentado e não vislumbro janelas diante de mim, sinto-a regressar. Tenta vir silenciosamente pé ante pé. Como quem quer fazer uma surpresa, abraça-me ternamente por detrás, e encostando a sua face cálida na minha, sussurra-me. Baixinho. (Não sei se será com a intenção cúmplice de que apenas eu a escute ou se é apenas um gesto de ternura.) Ainda tento resistir, um pouco desajeitadamente, titubeando que ela já passou de moda, que já não sou adolescente, que até quando me lembro do teledisco dos Alphaville com aqueles penteados só me dá vontade de sorrir…

Mas, então, sem contra-argumentar, ela toca-me com dois dedos ao de leve nos meus lábios, para delicadamente me fazer calar, e trauteia:


A vida é uma viagem curta,

A música é para os homens tristes...

 

Então eu escuto-a desafogadamente.

Quando termina peço-lhe que repita pelo menos mais uma vez. E ela, fingindo ignorar os meus olhos vítreos, percorre com as suas mãos os meus braços até encontrar as minhas. E entrelaçando os seus dedos nos meus, repete e torna a repetir…