O passado não desaparece, evapora-se ou transmigra para outra galáxia. Por mais que desejemos ignorar o seu paradeiro, ele está sempre perto. Bem perto.
Por vezes tive a presunção de pensar que as coisas passadas eram apenas memórias. Papeis e livros velhos guardados num caixote que está na garagem à espera de uma limpeza de primavera mais determinada que o coloque no lixo. Coisas como decisões que tomei e que não deveria, bem como aquelas opções que não tive coragem de fazer. Pensar que esse tipo de coisas ficariam enterradas no tempo e seriam assim inócuas foi um erro. Um brutal, estúpido e depravado erro.
Foi como pensar que não tenho uma sombra agarrada aos pés só porque o dia está pardacento. Foi como pensar que atropelando uma pessoa numa passadeira e colocando-me em fuga, já não tenho responsabilidade. Foi como pensar que o dinheiro que pedi emprestado não tem que ser pago só porque evito e não atendo as chamadas que me faz o credor. Só se pode pensar assim por requintada ingenuidade ou delicado atrasado mental. (Em minha defesa prefiro a tese do ingénuo.)
O passado ficou marcado pela cobardia e ele não se conforma com esse estigma. Não perdoa o querer-se apostar numa linha de vida sem confrontos e num confortável marasmo. O passado exige a verdade e a coerência. Com o tempo uma pessoa habitua-se à mascara. O passado, dando-nos um valente pontapé no traseiro, quer visíveis as linhas genuínas da face. Sejam como sejam.
No fundo o passado não me quer estragar a vida, quer é evitar que a perca mais ainda. Com a sua acutilante crueldade de aparecer nas horas mais inoportunas e nos locais mais inesperados, ele no fundo gosta de mim. Acredito que deseja a reconciliação possível. Só que está-se a borrifar para os jogos em que me envolvi. Talvez tenha razão. Diz-me que o caminho vai ser duro, estreito, pedregoso, com becos aparentemente sem saída e com muitos dias de cerrado nevoeiro. E um caminho em que nem sei onde vai parar. (Aqui para nós, que ninguém nos ouve, eu preferia ter uma auto-estrada ao dispor. Com enormes cartazes azuis a indicar todos destinos com as precisas distancias que faltam. Sem portagens e com o depósito cheio. Gratuitamente, já agora!)
O passado não desaparece e não é uma velha caixa de cartão. É poderoso e não perdoa erros e, se calhar, neste seu pragmatismo, faz muito bem. Possivelmente leu e entendeu, melhor que muito boa gente, aquela frase que se atribui a Cristo: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”
5 comentários:
Caro Amigo
Nós somos o que somos e somos também as nossas circunstâncias!
Possivelmente se pudessemos voltar atrás e se nos deparassem os mesmos constragimentos, os mesmos condicionamentos, os mesmos circunstancialismos, faríamos exactamente as mesmíssimas coisas. Porque nós somos o que somos!
Errar todos erramos! Quem não erra nos seus julgamentos e nas suas opções? Quem não lamenta ter um dia seguido por um caminho menos adequado? Mas quem é que nasce ensinado?
A nossa busca da felicidade é feita desde o começo da nossa vida, mas sem o exacto conhecimento dela, sem a devida preparação para ela. È feita sem podermos ser adivinhos do que o futuro nos reserva, a nós e ao mundo!
Carregar o passado às costas como um fardo denso e insuportável é, contudo, apenas inevitável para quem no seu precurso cometeu crimes, faltas graves ou actos irremediáveis contra os outros.
No entanto, no que diz respeito aos nossos próprios caminhos, em cada momento podemos dizer, como Cristo também terá dito, que conhecendo a Verdade ela libertará!
E isto, creio firmemente que é tão válido, quanto à verdade da Fé, quanto à verdade mais essencial de todas, que é a verdade sobre nós mesmos!
Nunca é tarde para escolher o caminho da verdade, o caminho da nossa verdade! Pode ser sinuoso, dificil, demorado e longo, mas dele não se deve desistir!
Quanto ao passado, mais do que uma carga ou uma sombra que nos espreita, ele é um belo baú de experiências de vida, que podemos e devemos aproveitar o melhor possível!
Um abraço amigo
Todos nós, TODOS, temos alguma coisa com que não nos orgulhamos... Olha eu fui vitima de abusos agora vulgo "bullying" toda a minha vida escolar na Suiça, e depois o resto em Portugal... Isso tudo porque mesmo com o meu tamanho nunca fui capaz de me defender. Houve muitas alturas em que mais me apetecia acabar com tudo, ainda criança. Envergonho me de ter sido fraco e de ter deixado os outros abusarem de mim a esse ponto.
Mas acredita em mim, o que não nos mata, torna nos mais fortes... e posso dizer que nunca estive tão forte, apesar das desgraças.
O passado faz parte de nós, anda sempre connosco, umas vezes disfarçado, outras aparentemente esquecido, mas está cá, sempre presente. E, se não estiveres bem com ele, então será um pesadelo.
Que belo texto, meu amigo!
Faz-me recuar um pouco no tempo e recordar certas postagens do início do teu blog.
As coisas têm que ser vistas como são e devemos manobrá-las de forma a vivermos um equilíbrio feliz, o que nem sempre é fácil.
Gostei muito, como é hábito, das considerações do Com senso.
Abraço para ambos.
Com senso,
Não sei porque razão concreta, mas, na verdade, em algumas horas sinto-me tentado para adoptar uma visão algo determinista da vida. Não num sentido que me desresponsabilize, mas como tentativa de explicação de porquê as coisas aconteceram como aconteceram. O pensar nesse passado e sentir que tenho que falar dele, entendê-lo e usá-lo como alicerce para saber quem eu realmente sou, é uma necessidade. E, mea culpa - digo-o sem pudor -, recusei-me a fazê-lo durante muito tempo. Creio que desde há algum tempo este tem sido um caminho necessário. Não há atalhos ou receitas milagrosas. Ou sabemos quem somos ou perdemo-nos cada vez que queremos correr atrás de uma ilusão que parece prometer a felicidade.
Surpreendeste-me, em certa medida, com a citação da frase de Cristo acerca da liberdade que a verdade proporciona. Muitas vezes lembro-me dela e nessa precisa leitura...
Obrigado! Abraço!
TUSB,
“O que não nos mata torna-nos mais fortes”. É verdade! E a brincar, digo que é melhor esse adágio que aquele que diz que “o que não mata, engorda”.
:-)
Falando agora a sério, aprendemos mesmo do passado. Não o podemos mudar, mas não o devemos esquecer.
Força para continuares a enfrentar o que tens que enfrentar!
Violeta,
Tens toda a razão. Não deve existir muitas coisas piores do que fugirmos de nós próprios.
Bjs
Pinguim,
Obrigado pela simpatia! Lembrar-me de como estava quando comecei a escrever no blogue fez-me agora sorrir...
Muito aconteceu desde então na minha cabeça. Muito ainda faltará! Por isso de vez em quando tenho que voltar a deixar aqui uns "velhos" desabafos. Mas, é verdade que as coisas são para ser encaradas como são e não como queríamos que fossem por causa dos outros. Para isso temos que estar em paz connosco.
Abraço
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