segunda-feira, 5 de abril de 2010

Um ano (ou a lição de uma perda)

Faz hoje um ano que soube da morte de uma pessoa que comentava no meu blogue. Usava o nick de Catatau. Não vou recordar a data apenas pelo espírito de efeméride; mesmo se fosse essa única a razão, era merecida, sem dúvida. A morte de um ser humano é sempre um acontecimento violento, marcante, de todos os pontos de vista, e relembrar a memória é uma nobre razão.

Neste caso, tenho uma razão acrescida. Tem a haver comigo. Dentro do que necessito de fazer por mim careço de falar de certas coisas. Fazê-las elevar acima do patamar onde circulam os meus pensamentos. É verdade que exteriorizar, envolve sempre um certo risco; dizer certas coisas em público, pode parecer ridículo e testa a paciência dos outros. No entanto sei que me faz sentir bem. Durante muito tempo pensei que bastava deixar os contornos difusos das palavras existirem para consumo próprio. Sei agora que isso foi mau. Terrível. Não quero voltar para essa caixa onde me sentia um misto de autista e sociopata.


Durante muito tempo, reflecti sobre o porquê da comoção da notícia da morte do Catatau. Era, para mim, uma questão importante, porque sabia o alheamento emocional que costumava ter ao atravessar os diversos cenários da vida. A questão era, em termos simples: porque senti a coisa desta maneira? Porque a morte de uma pessoa que eu não conhecia, nem de fotografia sequer, me perturbou, causando um forte sentimento de perda e uma sensação de vazio no meu dia-a-dia?

A resposta que consegui tornou-se óbvia. O Catatau - como os que lêem e comentam no meu blogue, como autores de blogues que leio, como alguns com quem já comunico de uma maneira mais pessoal - fez parte de um esboço de vida, com um certo patamar de verdade e genuinidade, que nunca tive. Embora ainda falte caminho, já sei o que é falar de sentimentos que são realmente os meus. Sem medos. Assim mesmo... 

O desaparecimento do Catatau foi uma maneira brutal de sentir o valor desse tipo de pessoas. Pessoas que podem achar-me parvo, esperto, ingénuo, corajoso, frágil, maniento, perspicaz, teimoso, arrogante, voluntarioso, saloio ou outra coisa qualquer. Pessoas que me rotulem como quiserem e como lhes dê na "real gana"... mas com quem eu posso ser naturalmente o que sou. Com quem posso dizer o que realmente penso.

O Catatau era, mesmo que virtualmente, parte desse meu admirável novo mundo. Senti, e sinto a sua perda, representada nos comentários que espalhava pela blogosfera. Recebi dessa situação uma lição de quanto valem pessoas com quem atingimos um elevado nível de sinceridade e o que dói a sua perda.


10 comentários:

João disse...

Só para dar um abraço_virtual! E o que te considero é, nestes teus gestos de modéstia e ponderação, um terno local de meditação_multiplicação (confuso?)

Estamos todos aqui.

Socrates daSilva disse...

Ophiuchus,

Obrigado! (nada confuso; se, por vezes, nem eu me entendo, quanto mais os outros...)

:-)

Abraço

paulo disse...

fiquei parado quando vi este teu post. devia ter-me lembrado...
e faz todo o sentido a tua pertinaz reflexão. os outros podem ser espelhos onde nos revemos, os modelos que ambicionamos. mas nem sempre o espelho nos devolve a imagem que esperamos, da mesma forma nem sempre temos de nos guiar pelos outros, porque todos somos iguais, mas todos somos diferentes com personalidades diferentes. e os caminhos que tomamos é que nos definem e nos levam a locais distintos.
de resto, acho que todos nós temos muitas, muitas saudades do Catatau!


um grande abraço

Sónia da Veiga disse...

Lindo!!!

É verdade como, através do teclado, por entre as palavras que escrevemos, nos damos mais a conhecer do que a pessoas com quem lidamos diariamente e em presença.
Sabem mais de mim e do que me vai na cabeça os colegas de escrita bloguística que os meus vizinhos...
Por isso mesmo é, para mim, perfeitamente normal sentir a falta de um amigo nada virtual e até louvável!!!
Porque há sempre pessoas que, ao longo da vida, nos tocam bem fundo sem sequer darmos por isso, excepto quando elas nos fazem falta...

Tudo de bom.

com senso disse...

Caro Amigo

Consegues de uma forma brilhante percorrer e dar-nos a conhecer o teu percurso interior pelo lado mais dificil, o dos sentimentos.
Ès uma pessoa, que apesar de ainda jovem, já tens uma assinalável maturidade e sabedoria de vida.
A necessária aliás para perceberes exactamente o ponto em que te encontras e o ponto aonde queres chegar.
Acontecimentos tristes como a morte fisica de um companheiro, ainda que apenas virtual, trazem ao de cima elementos de compreensão de nós mesmos!
Tu consegues isso com grande objectividade e clarividência.
Este texto demonstra-o e é para além do mais um texto muitissimo belo que dá um imenso prazer percorrer!
Um abraço

Socrates daSilva disse...

Zoninho,
Seja qual for o reflexo de nós mesmos que os outros nos devolvem, seja qual for o nosso sentimento perante esse reflexo, o importante é estarmos seguros do que somos e porque escolhemos determinadas opções. O importante é sermos genuínos. O Catatau foi alguém que, de certa maneira, se atravessou no meu caminho no momento em que iniciei um processo tremendo. Como o Catatau, outras pessoas também, obviamente! A diferença é que o desaparecimento de alguém faz intensificar muita coisa… E, decerto, que pelo que se passou com ele, tiro algumas conclusões sobre mim próprio.

Abraço!


SDaVeiga,
Muito agradecido!
É verdade que na escrita, por vezes, alcança-se uma maior latitude de sinceridade. Será por não estarmos a ver as faces que nos escutam? Ficamos mais desinibidos perante uma folha em branco? Existirá diversas razões. No entanto, para ser sincero, ambiciono um dia poder ter conversas mais sinceras, transparente e profundas com amigos reais, à mesa, numa esplanada, do que apenas limitar-me a vir aqui debitar sentimentos recalcados.
:-)

A bem da verdade vale a pena salientar que as amizades iniciam-se por algo, e que os blogues são um local onde se começa a entender muito do que pensam os outros.
Mais uma vez, obrigado pelas visitas e simpáticas palavras!


Com senso,
O meu amigo é sempre generoso na hora de elogiar! Confesso que me fez enfrentar o dia com mais alegria ao chamar-me de “jovem”.
:-)

Obrigado. Muito obrigado.
Abraço!

João Roque disse...

Seria impossível não deixar aqui uma "palavra", e sobretudo um abraço!
Um abraço que envolve a lembrança de um bom Amigo comum e muito mais que isso...

Socrates daSilva disse...

Pinguim,
Grato pela(s) palavras(s)!
Conheceste pessoalmente o Catatau e o sentido de perda foi maior, mas não queria deixar de dar o meu testemunho sobre o valor das coisas, aparentemente pequenas como palavras, que damos aos outros e que - no meu caso - recebe-las foi, e é, tremendamente importante.

Abraço

june disse...

Por vezes penso...se um dia morrer assim do nada...como irá ficar o mundo sem mim?
Apenas um pensamento...

Sandrinha disse...

Que bacana, ler isso num blog! Sentimento é sempre a mais bela maneira da expressão humana, eu particularmente acredito que estamos aqui para aprendermos esse crescimento interior, mesmo vindo ele com a dor ou a perda.
Parabéns pela postagem e pela sensibilidade em homenagear alguém postumamente!

Felicidades e Sucesso!!!

http://tempodeviver2.blogspot.com/