sábado, 25 de abril de 2009

Para sempre!



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida 
como outra coisa qualquer 
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que sonho
é vinho, é espuma, é fermento
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo
que fuça através de tudo Em 
em perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela é cor é pincel
base, fuste, capitel
que é retorta de alquimista
mapa do mundo distante
Rosa dos Ventos Infante
caravela quinhentista
que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim
florete de espadachim
bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim
passarola voadora
pára-raios, locomotiva
barco de proa festiva
alto-forno, geradora
cisão do átomo, radar
ultra-som, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança

Pedra Filosofal, António Gedeão

 

 


Para recordar as razões que causaram uma revolução. Para recordar aqueles que então, durante décadas, não pararam de sonhar. Para que nunca se esqueça a luta pela verdadeira liberdade. Para que todos os que continuam a sonhar não se cansem. Nunca mesmo...


13 comentários:

Anónimo disse...

Gosto tanto, mas tanto, deste poema! Ouviste o discurso do Jaime Gama na AR? Sóbrio, ponderado, excelente. Abraço!

Tongzhi disse...

António Gedeão...
Rómulo de Carvalho...

Dois nomes para uma pessoa sensível!!!

No Limite do Oceano disse...

Todos os anos, pelo menos a mim, parece que temos mais do mesmo, não por culpa de ninguém mas por culpa de todos...adiante porque regra geral evito falar de assuntos em que me afundo em areias movediças.

Ontem na cidade onde vivo fizeram um concerto com músicas da altura do 25 de Abril, e nem preciso de mencionar nomes, desde música do Zeca Afonso, Paulo de Carvalho...e era de noite, estava um frio de rachar, estavam algumas pessoas a tentar ouvir o concerto quando me deparei com duas situações: um grupo de adolescentes a gozarem com o cantor que estava em palco, fazendo com que um senhor com uma certa idade fosse ter com esse "rebeldes" sem causa e chamou-os à razão. Consequência: foram-se sentar no banco do jardim, mas mesmo assim fizeram mais do mesmo.

A outra situação que me irritou foi um grupo de pessoas que estavam no concerto para falar em vez de apreciar a música, e porque não conseguiam falar, os diálogos era uma espécie de gritos, que falta de respeito, mas esta é a minha visão.

Acho que se para uns os 25 de Abril merece todo o respeito, para outros é apenas mais um ferido e bem feita que hoje é Sábado! A eles nada lhes serve.

Um abraço,
Carlos

ps- desculpa o testamento

João Roque disse...

Amigo Sócrates
eu gosto muito do Zeca, do Adriano e de outros cantores que tanto tiveram a ver com o 25 de Abril; mas geralmente quando se quer acompanhar um texto dedicado à data, é quase "obrigatório" ir a estas canções; assim acho óptimo que se focalizem músicas e/ou poemas doutros autores, como este magnifico poema de António Gedeão ou a música do Fernando Tordo que eu escolhi: tem tanto a ver com a data de hoje!!!!
Achei muito elucidativo o comentário do Carlos sobre a vivência dele ontem à noite e agora sei o que ele referia quando comentava no meu post que não iria repetir as palavras que já tinha deixado noutro blog, que era este teu (nosso) "Castelo d'Areia".
E como elas se adequam, realmente a algo que lá digo...
Se o comentário do carlos era extenso , este também não é curto.
Abraço amigo.

paulo disse...

só para lembrar como o dia é importante, como o poema é excelente (como todo o Gedeão), como o dia se despiu de sentido e se tornou mais um feriado. tenho pena que se perca a noção de passado, mas pelo menos nem toda a gente fica sentada e ver televisão, porque simplesmente ainda sonha.

abraço

Daniel C.da Silva disse...

Sempre gostei muito da música, da letra e da voz. O poema cantado transporta-nos.

Abraço

Violeta disse...

mas que bonita homenagem...
bjs

free_soul disse...

Este poema é absolutamente lindo...
um beijo

Socrates daSilva disse...

Vasco,
Não vi o discurso em directo, mas li o resumo.
Realmente, era exercício de verdadeira liberdade os poderes e as forças vivas da sociedade levarem em conta a sua mensagem. Que bom era que uma conquista de Abril fosse o fim da escravatura à demagogia...
Abraço!


Tongzhi,
De facto. Os seus poemas são assim...
Abraço!


Carlos,
É realmente verdade esse esvaziamento de conteúdo de datas e ocasiões. Não se passa apenas no 25 de Abril; nos feriados de cariz religioso quantas pessoas os sentem genuinamente? Mesmo os que afirmam ser crentes?
Mas, o que descreves também reflecte o baixo nível de respeito que existe pelo próximo. Chamemos "crise de valores" ou outra coisa qualquer.
Abraço!


Pinguim,
Fui criado a escutar música portuguesa. Confesso que nem toda a música que na altura escutava, hoje continuo a escutar...
:-)
Mas, com 6, 7 anos, sabia de cor duas musicas: a da "gaivota, voava, voava" e a "Pedra Filosofal" de Manuel Freire. Os versos desta última sempre estão presentes. Neste dia - 25 - são incontornáveis.
Abraço!


Paulo,
Mesmo remando contra a maré, vale a pena focalizar a atenção no sentido, na substancia das coisas. É que sem ser assim o que interessa? O "pacote"? O exterior? O superficial? Não acredito!
Abraço!


Daniel,
É de facto um poema intenso. Creio que é dos poemas que mais repito, de mim para mim.
Abraço!


Violeta,
O valor e o sentido da data merecem...
Bjs


Free_soul,
Recordemos as coisas belas.
Bjs

com senso disse...

Amigo Sócrates

O sonho comanda a vida. Em todos os aspectos!

Só indo atrás do sonho para o fazer cumprir é que o mundo pula e avança.

Infelizmente a maioria do povo português que sonhava com a liberdade nunca fez nada para a conquistar.

Foram alguns, poucos, que lutaram, que arriscaram a vida, que foram presos, torturados, exilados e às vezes até assassinados.

Foram esses poucos que criaram as bases para que um dia, um grupo de jovens capitães desmoralizados com desigualdades salariais e com uma guerra à beira de ser perdida, fossem levados a revoltar-se contra a Ditadura.

A maioria sonhadora, continuou a sonhar e a esperar que tudo lhe caísse do céu aos trambolhões e, se possível, com pouco esforço!

Por isso não participou, não se mobilizou, deixou todo o campo aberto aos oportunistas, aos aproveitadores, aos mediocres.

Por isso não se soube aproveitar convenientemente a Liberdade. Contudo ela valeu a pena. Ela vale sempre a pena. O sonho por um mundo melhor "é uma constante da vida".

Este poema diz tudo sobre nós e sobre a vida.

Um abraço amigo

Socrates daSilva disse...

Com senso,
Sublinho as tuas palavras:
"Este poema diz tudo sobre nós e sobre a vida."
Como tens razão...
Abraço!

Paula disse...

O meu poema favorito. Desde que me conheço por gente!
Nenhum outro transmite tanto de alma e sentimento como este.
Parabéns pelo teu blog.
Sou fã!

Socrates daSilva disse...

Paula,
É um "daqueles" poemas, sem dúvida. Extravasa as palavras e crava-se na alma.

Bem hajas pela tuas simpáticas palavras...
Bjs