quinta-feira, 14 de maio de 2009

A mãe de todas

Tenho por alvo dedicar um post a uma música que faça parte da banda sonora da minha vida. Uma, que com os seus acordes, desperte algo em mim, não tanto pela qualidade sonora, mas mais pela evocação de sentimentos, locais ou pessoas.

Até estava uma em espera, mas até hoje não me chegou inspiração suficiente para envolve-la em palavras. É que dá-me muita pena colocá-la aqui sem uma guarnição, sem um aconchego…


Digamos que ando mais numa onda de recordar filmes. Aliás, para ser exacto, relembro ocasionalmente excertos, trechos, frases ou diálogos soltos que me parecem premonitórios, proféticos ou simples constatações sobre as hipotéticas regras que norteiam este teatro de fantoches a que se chama de vida.

(Que ninguém se ofenda, pois isto de fantoches é um barrete que enfim a mim próprio…)

 

Hoje evoco um diálogo pertencente a um filme que recentemente vi e revi. “O Leão no Inverno”, versão de 2004. A história, originalmente uma peça de teatro, retrata um confronto familiar. Uma espécie de jogo mortal de palavras entre aqueles que menos esperamos: um pai, Henrique III, rei de Inglaterra e de metade de França, uma mãe, Eleanor de Aquitânia e seus três filhos, Ricardo, João e Geoffrey. A verdadeira razão? O poder. O pretexto? A escolha do filho que iria suceder ao pai como rei.

A tal cena que recordo é um pequeno discurso que a certa altura a mãe faz aos seus três filhos: 

“Deixamo-lo tão claro.

Minhas crias…nós somos as origens da guerra.

Não são as forças da História, os tempos, a justiça ou a falta desta, não são as causas nem as religiões, nem quaisquer tipos de governo ou outra coisa.

 

Somos nós os assassinos.

Nós procriamos guerra.

Transportamo-la como sífilis dentro de nós.

Cadáveres que apodrecem campos porque os vivos estão podres.

 

Pelo amor de Deus. Não nos podemos amar uns aos outros só um pouco?

É assim que a paz começa. Temos tanto por que nos amar. Temos possibilidades infinitas, meus filhos. Podemos mudar o mundo.”

 

Á medida que caminho na rua íngreme e evito as goteiras dos prédios, dou comigo a pensar que as verdadeiras guerras não são contra os outros. As genuínas, as decisivas, as cruéis guerras são contra nós próprios.

7 comentários:

Anónimo disse...

Precisamente! O último período do teu texto diz tudo! Abraço!

Tongzhi disse...

Há filmes assim. Filmes, ou excertos deles, que nos permitem reflectir e crescer. Adorei este post... embora não me surpreenda sendo escrito por ti.

Daniel C.da Silva disse...

"Pelo amor de Deus. Não nos podemos amar uns aos outros só um pouco?"

É isso mesmo. Eu entendo que todos gostamos de estar bem, por cima, orgulhosos seja do que for (o bom orgulho, nao a soberba), mas talvez devamos começar por cada um de nós a amar-nos uns aos outros, e para isso, como diz o texto e o que escreves no final, temos de ter, nao guerras, mas coragem para nos conhecermos melhor, e com isso, aos nos mudarmos, mudarmos também o mundo...

ab

João Roque disse...

Estive hoje a rever esse filme, que mão amiga me ofertou recentemente (talvez não seja coincidência) e gostei imenso.
Tinha gostado muito da versão antiga com os "monstros" K.Hepburn e O'Toole, mas este não lhe fica atrás...
Aliás uma boa transposição para o cinema de uma obra histórica oferece-me um prazer imenso. E este filme, embora recreando a História, vai, como bem referes, muito além disso, analisa amores e ódios...
Colossal!
Abraço para ti e para quem o ofereceu...

Violeta disse...

as verdadeiras guerras não são contra os outros. As genuínas, as decisivas, as cruéis guerras são contra nós próprios.
mas que verdade querido Sócrates, ams que verdade...
bjs

com senso disse...

Amigo Sócrates

Uma bela sintese do que, no fundo, esse filme trata.
Um grande abraço amigo.

Socrates daSilva disse...

Vasco,
Diz o que sinto.
Diz que temos que nos respeitar em primeiro lugar, temos que saber o nosso lugar e saber ver o que de bom podemos usufruir do que nos rodeia e temos que não dar valor ao que nos tenta destruir.
Nesta minha "guerra" interior, muito te agradeço por tudo. Bem hajas por estares ai!
Grande Abraço!


Tongzhi,
Bem hajas… Tu sabes pôr uma pessoa corada com esses elogios!
Abraço!


Daniel,
É… parece que esse devia ser mesmo o caminho!


Pinguim,
Realmente este filme, para mim, vale pela obra em si, e pela maneira em que chegou às minhas mãos.
Abraço!


Violeta,
Bem hajas. Essa do “querido” soube-me mesmo muito bem. Bem hajas querida colega blogisférica.
Bjs


Com senso,
É uma leitura muito pessoal, como imaginas…
Abraço!