quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Jan(eir)o

Mês em que ressuscitam todas as esperanças. Trinta e um dias em que desabrocham viçosas mil promessas e pujantes inúmeras intenções solenes. Singular solo sagrado de tempo onde os conta-quilómetros de todas as nossas viaturas voltam a zero.

O calendário tem este efeito mágico. Coisas de números. Depois ainda há quem pergunte, ingenuamente, como é que a matemática é importante para a nossa vida! Dir-lhe-ia que, neste preciso caso, sem a contagem precisa do tempo a existência de uma pessoa pareceria apenas uma tosca linha. Uma linha cinzenta onde imagino um comboio pasmaceiro a viajar num cenário deserticamente sempre igual.

Agora, com esta coisa de pegar no tempo, manipulá-lo, contorcendo-o em várias formas circulares que apelidamos de anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos, a nossa vida mais parece um pândego carrossel onde, quando acaba uma volta, logo outra começa, nova, a estrear, recheada de oportunidades. Mesmo que o lastro das anteriores rotações tenda a agarrar-se como uma lapa ao canastro e insista em gradualmente fazer-nos sentir mais pesados e lentos, a ilusão funciona. Isso é importante, porque afinal, as ilusões são a realidade da nossa vida.

Janeiro. Os anais da história relatam que foi ideia de Júlio César, mais ou menos em 46 a.C., fixar o começo de um novo ano no dia 1 de um mês que dedicou a Jano, deus representado como tendo duas caras, uma virada para a frente e outra para trás.

De início não simpatizei muito com este deus. Fui ensinado a não fiar-me em pessoas de duas caras. Explicaram-me, ainda era eu petiz, que apesar de simpáticas, eram fingidas no que diziam e faziam. Mas logo fiquei a saber que o caso de Jano era outro. Ter duas caras indicava ser o protector de todos os começos e patrono de todos os finais. Sabiamente, indicava aos mortais a importância da ligação entre o passado e o futuro. Usando a metáfora do carrossel, ele tentava convencer os homens de quão importante era ter a noção de que, por mais voltas que lá se dê, todas estão, de algum modo, ligadas entre si. Nisto os romanos - desdizendo os meus amigos Asterix e Obelix - não foram nada loucos. Nesta perspectiva, até bastante sensatos!

Quando inicio um novo ano, como toda a gente, entusiasmo-me com as intenções e os votos. Mas tento sempre temperar esta animação com a mensagem de Jano. Esforço-me a olhar para o futuro com os pés assentes nas memórias dos anos que passaram. Tento, por exemplo, recordar se já fiz o mesmo tipo de votos nos Janeiros antecedentes. Caso sim, tento identificar o que ditou o fracasso dos planos. Tento igualmente pensar o que posso mudar desta vez para o resultado ser diferente.

Agarro-me. O carrossel começa mais uma volta.

9 comentários:

Anónimo disse...

Janeiro, o mês de todas a as resoluções, até ao inicio de Fevereiro;)

Violeta disse...

Há muito que deixei de fazer planos no inicio do ano. Enquanto os meus amigos brindavam a um novo ano, comiam passas e saltavam, fiquei no meu lugar. Ali sentada, falando com Deus, perguntei-lhe de uma forma suplicante "não vai ser pior que o que já passou, pois não?"
Pela serenidade do meu coração, imaginei que a resposta era não, desde que soubesse conduzir a minha vida, ter os pés assentes no chão e deixar de viver profundamente. Há um patamar a meio, onde é possível viver e até ser quase feliz.
Sócrates, encontra esse patamar rapidamente!
Bjs, de coração

João Roque disse...

Apesar de ser Janeiro um mês de esperança, nunca o encaro como renovação...
Aliás Janeiro, por características próprias, é um mês duro, que se segue a festividades e portanto custa sempre um pouco; é assim como que o "mês que equivale à segunda feira"...

com senso disse...

Caro Amigo

preparaste-nos um texto muito interessante e que a mim me ensinou bastante sobre as origens do calendário juliano.
Quanto aos votos que fazemos, já estou na fase de nem pensar nisso. Ainda ando a pensar nos projectos que vou iniciar no ano em curso e quando sou por mim já estou em Dezembro...
Isto está a andar depressa demais!
Um abraço!

Mike disse...

Tendo um stres natural com a altura festiva de Natal e Ano Novo, Janeiro serve quase de descompressão de toda essa época.
E este Janeiro ainda está a servir para isso, algo descontentente e desanimado por não ter conseguido cumprir o que queria o ano passado e por começar um ano sem grandes alterações visíveis/previstas.
Pode ser que Fevereiro seja melhor.

Muito interessante o texto que aqui postaste.

Abraço.

Anónimo disse...

Gostei muito do texto. O resto já foi dito. Abraço!

Socrates daSilva disse...

Little John,
Pois é! Ao segundo mês as prioridades já são outras…
Abraço!


Violeta,
Não imaginas como o teu comentário, pleno de realismo e sensibilidade, me tocou. A única coisa que posso dizer-te é:
Meu Deus, como quero encontrar esse patamar!!!

Bem hajas! Bjs de coração tb


Pinguim,
Claro que cada um vê em Janeiro aquilo que deseja ou que aprendeu que é realmente. Claro que os finais de ano são de arromba e isso paga-se em Janeiro…
:-)
Abraço!


Com senso,
Obrigado pelas palavras simpáticas! Os anos andam depressa demais, sim senhor. Também o sinto…
Abraço!


Mike,
Espero então que Fevereiro seja de arromba! Não no sentido festivo porque senão lá andas Março a descomprimir…
Abraço!


Vasco,
Muito obrigado!
Abraço!

TheMenBehindTheCurtain disse...

Ora, um texto muito interessante e cheio de sumo!

De facto é fascinante o efeito que a numerologia exerce no espírito humano. Foi deveras prodigioso todo o estudo e dedicação que, ao longo destes séculos de evolução, foi dado a este conceito tão humano dos números que ainda agora conseguem preservar a ilusão de uma "magia" que faz com que o universo funcione.

Sobre as novas do mês de Janeiro, aceitando-o como o mês onde potencialmente a vida e as resoluções de cada um mudariam, acho uma pena encontrar a maioria das pessoas presas no folclore da data de transição e não encontrar o período de reflexão para analisar o que correu mal, o que existe a mudar e (em termos realistas e sensatos) quais as ideias para seguir o novo rumo pretendido. Falta a serenidade...

Abraços

Socrates daSilva disse...

TheMen…,
Bem hajas pelas simpáticas palavras.

O tempo é de facto um tema fascinante. Fascinante como o encaramos, como o catalogamos e como o vivemos. Concordo contigo no aspecto da superficialidade da festa que se faz pela passagem da folha do calendário, para depois se perder, pelas lições esquecidas, a noção do que se pode fazer no tempo à frente.
Abraço!