quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O sol é minha testemunha

Fiquei por um instante, com os olhos semicerrados, a olhar para o sol. Lá seguia o seu milenar caminho e neste momento preparava-se para esconder-se por detrás das inúmeras nuvens da tarde. 

Por um instante pensei se seria de facto o mesmo sol que brilha sobre aquelas pessoas que tenho visto abundantemente nos noticiários. Aquelas pessoas que sofrem e aquelas cujo sofrimento já acabou depois de muito agonizar. Vivemos realmente debaixo do mesmo sol, no mesmo planeta, separados apenas por algumas horas de avião?

Será que esse país chamado Haiti fica de facto neste mesmo planeta em que eu vivo ou serão imagens de outra galáxia, onde a estupidez, a maldade e o sofrimento são imutáveis leis físicas?


O meu pensamento saltou então para a palavra crise. Crise. Chavão tão de moda no nosso país. Desintegrou-se, derreteu-se, evaporou-se, implodiu. Perdeu todo o seu sentido perante o que vejo na televisão. Se escuto mais alguma vez um português dizer, com ar atormentado, que estamos em crise, juro que fico com uma vontade de lhe dar um pontapé que o faça chegar ao Haiti, onde espero que chegue vivo e em boas condições. Onde poderá explicar, perante aqueles mares de corpos vestidos de farrapos, a grave crise que se depara cá em Portugal. Poderá sensibiliza-los com o horror de não poder trocar de carro, de não poder ir ao restaurante todas as semanas ou dar ao mimado filho o último modelo de telemóvel. Tenho a certeza que os haitianos se sentirão tocados pela sua angústia lusitana.


Já não vejo o sol. Só nuvens. Ainda virá a chuva, decerto.
Tenho vergonha de viver neste planeta. Desta vez não sou abalado pelas contradições da minha vida, que dessas tenho aprendido a defender-me. Sei que tenho muitas coisas boas a meu favor. Tenho vergonha de ver pessoas, seres humanos que decerto esforçam-se mais do que eu para terem alguma coisa na vida, a passarem por aquela degradação.

Não é o terramoto que me causa esta angústia. É as coisas que uma calamidade destas faz saltar à vista e que só ao ser humano dizem respeito.

7 comentários:

João Roque disse...

Sim, sentimos-nos pequeninos e egoístas perante tanta tragédia...

Anónimo disse...

É uma falta de respeito pelas pessoas e pelo seu sofrimento andarem a falar naquilo todos os dias! Abraço!

Violeta disse...

Este pós terramoto tem sido um inferno inimaginável para nós, aqui no nosso cantinho... em crise.
Que Deus se lembre daqueles seres que por ali deambulam, correndo o risco de deixarem de se sentir humanos.

Anónimo disse...

O Homem tende a sobrevalorizar fenómenos rápidos e de curta duração, como Vulcões, Sismos ou Tempestades. Todavia, estes fenómenos catastróficos apenas revelam uma pequena parte do modo como o nosso Planeta funciona. Só quando formos capazes de perceber a importância da repetição de acções aparentemente insignificantes ao longo de milhões de anos, como a queda de uma gota de água ou a formação de uma estalactite, poderemos vir a esperar compreender melhor o funcionamento da Terra.
Se condensarmos os 4 550 milhões de anos da história da Terra nos 365 dias de um ano, os dinossáurios apareceriam apenas a 10 de Dezembro para se extinguirem logo a seguir a 26 de Dezembro, enquanto que os primeiros Hominídeos teriam começado a vaguear por África quando já só faltavam algumas horas para o fim do ano. Com um aparecimento tão tardio na evolução da Terra, o Homem tem que fazer um esforço enorme para conseguir abarcar a importância de todo o imenso período que o precedeu.
O passado foi como foi. O futuro vem lá longe. Hoje amemo-nos como se não houvesse amanhã.

GRITOMUDO

Mike disse...

Ainda este fim de semana em conversa com amigos sobre o Haiti nos questionávamos se o sol que aquece aqui não é o mesmo que aquece lá.
Perante tamanha tragédia é insignificante qualquer comparação que se possa fazer.
Por outro lado esta tragédia leva-nos a pensar na sorte que temos e os privilegiados que somos. Qual crise qual quê, perante imagens, sons e histórias com as quais somos confrontados.

Socrates daSilva disse...

Pinguim,
É esse também o meu sentimento...
Abraço!


Vasco,
Como se costuma dizer: menos conversa, mais acção.
Abraço!


Violeta,
Eu imagino as coisas horríveis que lá aquela gente deve passar, sem terem culpa de nada!
Bjs


Gritomudo,
Somos mesmo insignificantes nesta vastidão de tempo e espaço! "Amemo-nos" por ao menos ajudar o nosso semelhante, ou pelo menos não contribuir para o seu sofrimento.
Abraço!


Mike,
É incrível,não é? É pena que só perante a tragédia alheia - ou a nossa, por vezes - entendemos a sorte que temos em certas alturas.
Abraço!

Há.dias.assim disse...

Saudade é algo dolorosamente belo...