quarta-feira, 15 de julho de 2009

Refleões sobre uma frase solta

“Quis mudar o mundo, mas acabei por começar a mudar-me a mim.”

Esta foi a essência da frase que ontem escolhi para o meu post que, num blogue judaico, tinha chamado a minha atenção. Possivelmente na sua génese foi pensada para criar um efeito que, se calhar, não foi aquele que agarrei. É assumidamente uma frase meio dúbia, daquelas que ficamos a olhar para ela e a pensar: “mas onde é que esta menina quer chegar?”

Para mim a leitura foi clara. Eu, na origem, tentei mudar o meu mundo. Mal. Ignorei-o na sua genuinidade e quis pintá-lo com as cores do meu desejo.

(“Meu desejo?” Mas o que é que estou para aqui a escrever? Devo estar parvo…)

Quis maquilhá-lo, quis transvertê-lo como os cânones – o desejo, mas dos outros - mandavam.

Por isso mais do que mudar o mundo de uma maneira idílica, quis adaptar-me acriticamente ao que ele queria para mim. Quis ser o azulejo de Nossa Senhora de Fátima na parede da vivenda; quis ser o naperon em cima da televisão; quis ser a couve viçosa no quintal.

Quis mudar assim o meu mundo. Aquele mundo interior e de secreto sentir. Mas não consegui. O meu mundo imobilizou-se apenas. Fingiu estar em coma. Armou-se numa estátua onde conviviam e defecavam os pombos. A sua grande vingança foi que afinal hibernou. E quando apanhou a jeito a mais ténue e irregular luz, sentiu-se aquecido e mexeu-se. Cada vez mais determinado. Imparável. Revoltado até pela injusta reclusão.

Por isso, não consegui mudar o mundo, nem nada que queria ter mudado em nome de uma normalidade defendida pela ditadura da maioria. Resta-me mudar a mim. Se calhar, sendo muito rigoroso, nem estou a mudar nada, estou afinal a ser quem sempre fui. Mas, prontos, dentro desta legitimidade pseudo-gramatical tal acção pode considerar-se uma mudança.

Por isso perdoe-me o rabino que pensou e escreveu aquela linda frase, por a estar a usar desta maneira tão minha, mas as frases são como os balões de hélio. Soltamo-los e depois cada corrente de ar faz com ele o que quer.


6 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

Concordo com a frase que citas, sendo que se deve aplicar a situações como as que tu tao bem colocas. Ou seja, muitas vezes é por querermos ver o mundo à nossa maneira ou por nem o conhecermos, que dizemos que está tudo errado, quando o erro reside em nós.

Não acontece sempre sermos nós os errados e estar o mundo certo, mas por isso mesmo este texto teu como que legitima, na tua experiência pessoal (e com humildade, reconheça-se) a citação que fazes do rabino.

Um abraço.

João Roque disse...

Afinal, estás algo de acordo com o que exprimi no comentário do post anterior, verdade?
Abração.

paulo disse...

é assim mesmo: queremos o distante, mas se atingirmos o próximo, isto é: nós, já é uma conquista enorme. a frase é sábia porque mais que os outros, por muito que queiramos moldar o mundo, temos de começar por nós. e, provavelmente, se o fizermos já estamos a mudar o mundo, porque ninguém vive isolado, porque nós interagimos com o mundo que também não é alheio à nossa mudança/evolução. assim, mudarmo-nos a nos já poderá ser uma forma de mudar o mundo.
abraço

TUSB disse...

Existem coisas que mudam, e outras que não :P

Socrates daSilva disse...

Há assuntos que escrevo em que depois fico sem jeito para comentar os comentários. Este é um deles...

Bem haja a todos pelo que aqui escreveram. Eu aprecio e aproveito.

Tongzhi disse...

Mudar é uma palavra muito forte, em determinados contextos. Eu prefiro o evoluir no sentido de nos sentirmos melhor, de nos sentirmos nós mesmos.