Nesse início de dia, a auto-estrada parecia feita apenas para mim. Os poucos carros que encontrava nem faziam a diferença. O sol bem que tentava impor-se no horizonte, mas o ar meio enevoado não lhe dava acesso ao protagonismo que ele tanto gosta. O ambiente, a certa altura, fazia lembrar um filme. Um filme qualquer, naquelas partes lentas, em que, embora tudo seja previsível e artificialmente arrumadinho, ficamos encantados com o magnetismo doce da cena; qualquer frase mais ou menos rebuscada, que é dita num contexto assim, soará a máxima que nos marcará a vida como um ferro em brasa na pele.
A música, a estrada, a paisagem. Fiquei tonto. Algo em mim ultrapassou a fronteira do corpo. A música, embora tentasse estilhaçar-me os tímpanos, era minha aliada numa forma estranha de simbiose. Envolveu-me. Tentou pôr-me fogo nos olhos; insistiu em chegar a algo que está dentro. Só me apeteceu dar com a cabeça em alguma coisa para ser congruente. O esporádico arranhar de notas na guitarra eléctrica provocou-me uma breve convulsão.
I don't care if it hurts
I wanna have control
Por fim terminava. Olhei para o ponteiro da velocidade e nem sei como lá tinha chegado. Baixei o som. Voltei a colocar a música no princípio – faixa 4 – e preparei-me para escutá-la outra vez.
What the hell am I doing here?
I don't belong here
I don't belong me.
11 comentários:
Tenh tido canções dessas a tocar em vários momentos até na minha cabeça! Muitos "I don't belog here" têm corrido como suor pela testa abaixo!
Se há coisa de que gosto, é de ouvir música ao volante. :)
Ouvir música enquanto conduzimos é um bom exercício de compensação...
Mal ponho a chave no carro ligo logo a musica.bjs
F3lixP,
É interessante como ao falarmos em publico certas coisas sobre nós descobrimos que, afinal são mais comuns do que pensamos.
Abraço!
Vasco,
É do melhor não é?
Abraço!
Violeta,
Eu acho que mesmo antes do colocar o cinto de segurança é a música.
Bjs
Caro Amigo
Para as perguntas há as respostas, que são óbvias:
What the hell am I doing here?
- Muita e muita coisa importante e útil, a começar por viver. Sim viver e amando muito uma pessoa que te tem acompanhado sempre e que te acompanhará enquanto viveres: TU MESMO!
Quanto ao pertencer a um lugar e a si próprio... são dúvidas que por vezes nos assaltam... a todos... por isso naturais e saudáveis... Mas o facto de existirmos, de termos direito a existir, um direito que não nos foi dado pelo pai, pela mãe, ou por qualquer parceiro/a, mas por Algo de muito Superior, resolve logo essa dúvida existêncial.
O importante é mantermo-nos bem atentos à estrada, apesar da hrmonia celeste entre a disposição, a paisagem e a música... Senão pode acontecer que todas as dúvidas e questões existenciais acabem prosaicamente debaixo de um lençol do INEM
Cruzes...
Um abraço
Com senso,
Não te preocupes que este momento pseudo-epifânico foi breve e sem consequências. Como dizes, coisas que de vez em quando nos assaltam…
Mas gostei do teu comentário. Como sempre, positivo e para não esquecer.
A parte final, escrita com muito sentido de humor, foi convincente em ajudar-me continuar a ter juízo na estrada.
Bem hajas. Abraço!
Obrigado pela visita! É sempre bom ver alguém da "velha guarda" regressar a um espaço que foi sempre seu.
Um abraço «««
assim nos sentimos quando flutoamos ...parvos :)
gostei de passar por aqui
teresa
Eu tenho músicas que me acompanham sempre em viagens longas em que vou sozinho.
Eu só oiço música mesmo, só a conduzir...de resto é raro...
Abraço.
JotaSP,
Se te referes ao comentário que deixei no teu blogue, posso dizer-te que nunca deixei de o considerar "meu". É mais a preguiça e falta de ideias para comentar. Mas, como foi um poema do Eugénio, não resisti…
Bem hajas e um abraço!
Teresa Queiroz,
É mesmo… mas é tão bom, não é?
Bem hajas pela visita e simpático comentário.
Bjs
Tongzhi,
Eu é sozinho, é acompanhado, seja lá como for, é sempre com música!
Abraço!
Pinguim,
Eu só não escuto música quando estou a dormir…
:-)
Abraço!
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