quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Agarrado a uma palha (ou seja, mais reflexões sobre um ano de blogar)

O ciclo que se encerrou teve que ver essencialmente comigo. Uma espécie de limpeza; ou de arrumação; ou até mesmo uma espécie de guerra civil, para esclarecer definições, ou, por outras palavras, para chamar as coisas pelos nomes. Na minha mente.



Como hei-de explicar?

Começo por recordar algo muito simples, mas que a certa altura foi uma pequena, mas providencial pedra no sapato. Pessoalmente, dou muito valor à amizade, acho que deve ser cultivada com empenho e não como cromos que juntamos e colamos numa caderneta. Certa vez li uma daquelas frases bonitas, uma citação, que dizia mais ou menos isto: “Um amigo é alguém com quem pensamos em voz alta”. Parei e pensei: comigo isso não acontecia. Não me atrevia a pensar em voz alta com nenhum dos meus amigos; só a mera ideia disso arrepiou-me transversalmente. Pouco tempo depois, sem conseguir deixar de pensar nessa frase, comecei a construir um amigo imaginário a quem eu contava tudo sobre mim, descomplexadamente. Comecei, sem dar por isso, a sorrir. Era uma ideia tão doce, com uma leveza enorme, que quase chorei de ser apenas uma imaginação minha.


Esse episódio fez-me chegar à conclusão que algo de profundamente errado passava-se comigo. (Era mais uma; eu parecia um íman de tragédias pessoais, de traumas bizarros e de complexos misteriosos. Caramba, como o universo devia estar na altura do meu nascimento! Devia ter existido um alinhamento maldito de planetas que nem o Hitler, se fosse vidente, conseguiria engendrar!)


Como qualquer pessoa de bom senso concorda, estar sem amigos, amigos íntimos, daqueles com quem podemos desabafar sem travões, é terrível, é doentio, é completamente demencial.


É apenas um pequeno relato, mas ilustrativo, do estado da minha mente. Por isso usei o termo guerra civil. Nada era linear e fácil. No fundo sabia o que eu era, mas meticulosamente formei uma linha de defesa contra isso. Não aceitava durante as horas racionais do dia o que no sossego da noite a minha cabeça pensava. Argumentava e esgrimia argumentos comigo próprio. Sentia-me continuamente esmagado pela sensação de culpa e frustração. Não sabia o que decidir senão seguir o que a maioria fazia; enquanto me diluísse na multidão estaria a salvo, pensava eu. Mas, não tinha paz nem verdade.



Assim o meu dilema shakespeariano - versão caseira – era: falar ou não falar, eis a questão.

Tinha que decidir. Ou falar ou desistir. Este foi o ponto de partida deste blogue. Comecei a chamar as coisas por nome, assumi as minhas paixões, declamei os meus poemas preferidos, cantarolei algumas músicas da minha vida, tive as minhas “arrancadas” humorísticas e compartilhei as minhas receitas de culinária. Aqui fui eu. Aqui falei do que realmente pensava! Aqui sou a pessoa que gostava de ser no meu dia-a-dia, no mundo real. A guerra civil acabou. As coisas estão arrumadas q.b. Tenho uma pequena e suficiente paz cá dentro da mioleira. Sou assim e não sou criminoso. Já não alinho em conceitos estereotipados.



Por fim a nota de rodapé, escrita em letras pequeninas; o “mas” que existe em todos os discursos triunfalistas. Como parte da minha maneira de ser está pensar nos que me rodeiam. Não sei se é bom, se é mau, se é um defeito ou uma qualidade; sou assim. Não sei como vou conjugar este esclarecimento mental com as minhas circunstâncias actuais. Não sei como pensar no melhor para os outros e como isso pode ser conjugado com o que é melhor para mim. Não sei como…



“Caminando”, diz o poeta. “Porque não?”, digo eu.





5 comentários:

João Roque disse...

É muito positivo, e é magnifico complemento do teu post anterior, este texto; aqui deixas muito de ti, do teu mais intimo, e que bom é saber que a tua "guerra civil" (um achado, esta expressão) acabou; claro que há outras batalhas a travar e tu estás consciente disso, mas há algo muito importante, não te encontras a lutar sózinho, pois através do blog arranjaste um pequeno exército que te ajuda e ajudará.
Abração...grande!!!

Anónimo disse...

"Nada era linear e fácil. No fundo sabia o que eu era, mas meticulosamente formei uma linha de defesa contra isso. Não aceitava durante as horas racionais do dia o que no sossego da noite a minha cabeça pensava. Argumentava e esgrimia argumentos comigo próprio. Sentia-me continuamente esmagado pela sensação de culpa e frustração. Não sabia o que decidir senão seguir o que a maioria fazia; enquanto me diluísse na multidão estaria a salvo, pensava eu. Mas, não tinha paz nem verdade"

Meu caro,
está a falar de mim?
Claro que não, sei-o.
No entanto não resisto a partilhar consigo parte de mim (uma grande parte!!) apenas recorrendo às suas palavras.
Estas, entre quase todas as outras, podiam ter sido pensadas e, sobretudo, sentidas por mim. Foram-no, enquanto as lia.
Acredito que cada pessoa tenha um talento. Para alguns, como para o meu amigo (perdoe-me a ousadia...) é utilizar as próprias palavras para dizer o que sente. No meu caso é utilizar as palavras dos outros para demonstrar o que cá vai dentro.
Porque o faço? Em primeira análise poder-se-ia pensar que é por preguiça, ou por falta de argúcia, mas tal não corresponde, minimamente, à verdade. Trata-se de um último obstáculo. Uma última defesa. Um último Muro. No meu sub-consciente algo me assegura que desta forma, em caso de mal-entendidos, como as palavras não são minhas, poderei, com mais ou menos facilidade desviar as atenções e dizer: A culpa não é minha... Não fui eu que escrevi!!
Posso, com este último subterfúgio, desviar de mim o que de negativo de mim pensarem.
Apesar de tendencialmente egoístas todos nos preocupamos com o que pensam de nós.

Um abraço.

carpe diem disse...

Essa da guerra civil é terrivel, mas eu conheço a sensação ;)...
Ah, e os mas existem sempre... Um conselho? Não penses demasiado... Tenta usufruir dos momentos de felicidade...

beijinho...

Tongzhi disse...

Reflectir sim, mas dentro de uma premissa - há um caminho que decidiste percorrer e esse deve ser o teu objectivo final.

Socrates daSilva disse...

Pinguim,
Habituas-me mal com tantos elogios, meu amigo! Tento apenas ser fiel ao que sinto, e, verdade seja dita, o vosso apoio tem-me ajudado a “soltar-me” mais e a não ter receio de ser claro. Obrigado por tudo!
Abraço grande e apreciativo!


André Couto,
Já estive no teu blogue e fiquei alegremente surpreendido com a tua referência às minhas palavras e ao que sentes. És uma pessoa generosa!

Também, fui habituado a ter vergonha e medo do que pensava e sentia. Escrever foi libertador. Porquê aqui? Porque reconheci que necessitava de ajuda. A ajuda era ser escutado e compreendido. Necessita de que dissessem-me que valia a pena viver como eu era, já que não conseguia mudar. Lia, ouvia e revia-me em muitas coisas. Não me considero como possuidor de um talento; tenho uma urgência.

Não devemos temer mal entendidos quando estamos a falar do que de mais profundo temos. Podemos ter quem nos compreenda, ou não, mas a mensagem é genuína, não temos que pedir desculpas. Estou a falar assim, porque a duras penas tenho aprendido isso. Preocupamo-nos com o que pensam de nós, mas essa preocupação tem que ser razoável e nunca fazer-te vítima dos outros, porque a realidade é essa: nunca podemos agradar a todos.

Dentro do que é este espaço virtual, tens com certeza aqui um amigo. Do que leio no teu blogue, escolhes coisas muito belas e significativas. Força!

Um abraço!


Carpe diem,
É não é? Do pior…
Sabes, é que no meu caso tenho mesmo que pensar, se quero alguma vez ter uns momentos de felicidade…

Bjs


Tongzhi,
Então sem reflexão, não consigo andar! Cada vez mais acho que devia ter reflectido à tanto tempo…

Abraço!