quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Guernica, inovação e memórias

Já tive oportunidade de escrever sobre o meu encontro com este quadro de Pablo Picasso. Recentemente, encontrei um filme em que este quadro é transformado numa animação em 3D. O resultado é fantástico e permite entender melhor os pormenores e toda a envolvência da pintura.




Por causa deste filme dei comigo a reviver as aulas do meu primeiro professor de filosofia. A história tem que ver não só com este quadro, como ponto de partida, mas, com o cubismo como movimento artístico. Explicando o contexto, eu confesso, que de inicio encarava as aulas de filosofia com preconceito. Achava que os filósofos eram todos uns totós que só complicavam o que era simples e debatiam ad infinitum coisas sem o mínimo valor prático. Entrei assim naquela disciplina com a mente fechada e uma vontade tipicamente adolescente de gozar.


Já não me consigo lembrar do nome do professor, mas ainda recordo nitidamente a sua postura nas aulas. Calmo, conversador, a fazer perguntas, e escutar. Normalmente começava por escrever na ardósia o sumário e questionava a turma acerca do que achava sobre o dito cujo. Esse era quase sempre o ponto de partida.


Eu durante algum tempo observava, desconfiado, sem falar muito. Mas, quando certo dia o tema foi a arte moderna, eu achei que tinha ali os meus cinco minutos de fama; tinha uma oferta de mão beijada para ridicularizar a filosofia, a pretexto daquelas borradas que algumas pessoas queriam chamar arte. Vai daí e, armando-me em bom, afirmei que o que era realmente arte era a pintura realista, que essa sim exigia esforço e saber; que os bons eram o Leonardo da Vinci, o Rafael e os mestres da Renascença; que o Picasso e amigos eram uns trafulhas.


Mais tarde entendi que com este comentário, o professor tinha-me onde ele queria. Envolveu-me no tema, não só naquela aula, mas nas seguintes. Eu comecei a gostar, sim, a desejar aquelas aulas cada vez mais. O professor na sua técnica: escutava e depois, com perguntas, fazia-nos pensar. O resultado foi não só gostar de “Guernica”, porque a entendi, mas como bónus, entender a lógica por detrás de definição de arte, mesmo quando ela não é a mais convencional ou popular. Esse professor fez mais do que derrubar o meu entrincheirado mundo de certezas aleatórias, deu-me a chave para abrir escancaradamente a porta da minha curiosidade. Ensinou-me, naquele ano, o quanto ganhamos por não depender de ideias preconcebidas, mas que por observar, questionar e escutar, enriquecemos.


“Ó stor! Este post é para si, esteja onde estiver agora. Mesmo que ande atafulhado nas avaliações, saiba que já mexeu nas cabecinhas de uns miúdos e mudou algo neles!”


3 comentários:

Tongzhi disse...

Nem imaginas o que este post significa para mim. Também eu já "toquei" alguns alunos, facto de que muito me orgulho.
Tiveste muita sorte com esse professor de filosofia. Já eu não posso dizer o mesmo. O Fonseca (ainda me recordo do nome e também da alcunha - Fonseca Galhão!!!) tinha uma pergunta com a qual eu "engalinhava" - Não sabes dizer mais como está no livro????
Assim, a minha relação com a filosofia foi péssima. Mais tarde, no mestrado, fiz as pazes com ela...

carpe diem disse...

É isso mesmo... "Esse professor fez mais do que derrubar o meu entrincheirado mundo de certezas aleatórias, deu-me a chave para abrir escancaradamente a porta da minha curiosidade. Ensinou-me, naquele ano, o quanto ganhamos por não depender de ideias preconcebidas, mas que por observar, questionar e escutar, enriquecemos."

Que idade tonta a da adolescência!!! ;)

beijinhos...

Socrates daSilva disse...

Tongzhi,
Como em tudo na vida existem bons e maus professores. Também tive alguns que não deixaram saudades. Por exemplo, a professora de filosofia que apanhei no ano seguinte era dessa “escola” de ler até decorar. Embora tinha a mania de ir dar as aulas para locais ao ar livre, o que nos divertia imenso, embora não nos ajudasse a ser melhor filósofos…
:-)
Abraço!


Carpe diem,
De facto é uma fase tonta. ..
:-)
Ainda bem que só percebemos isso quando somos adultos!

Ainda em relação aquele professor, só tenho pena que eu não tivesse aprendido a transformar em decisões tudo aquilo em que ele me fez pensar. Só tenho pena de ter guardado no interior de mim esse espírito de questionar e descobrir.

Bjs