Existem dias em que uma pessoa pensa se não estará ainda a sonhar, ou a ser vítima de algum programa de apanhados da televisão. Era uma vez em Janeiro…
Tudo começou quando me vi com a necessidade de ir ao médico, cá por causa de umas maleitas. Fujo o que posso desses encontros imediatos de oitavo grau com representantes da classe médica. Sim, são boa gente, concerteza! Mas, não sou dos que ao primeiro sinal de tosse, ou uma picada na barriga da perna, corre á procura de uma solução médica. O que querem? Nisto sou muito homem! Há que sofrer e dar ao corpo hipótese dele se auto regular das ameaças ao seu bem-estar. Bem, mas chega um dia em que temos que dar parte fraca. Pois, há uns tempos chegou esse bendito momento.
Como sou um dos portugueses privilegiados com a sorte de não ter médico de família, resta-me ir ás consultas de apoio. Que traduzido quer dizer: Acorda bem cedo e corre o mais depressa que podes. Assim, que na véspera preparei-me psicologicamente para a epopeia. Ás seis da manhã já estava a chegar á porta do centro de saúde. Claro que ao chegar já não era o primeiro. Chegue a que horas se chegue sempre se tem á frente senhoras idosas que estão hiper doentes, mas conseguem estoicamente chegar primeiro, enfrentando todas as forças da natureza.
Bem, visto que o dito Centro só abre ás oito, ia prevenido para ocupar as duas horas de espera. Vou todo lampeiro colocar o meu mp3 e depois de 2 músicas, vai a bateria abaixo. Acabou-se a banda sonora. Levei um livro para ocupar o tempo, mas ás seis da manhã ainda não existia claridade suficiente para ver um burro á minha frente, quanto mais letras! Bem, para a trilogia da desgraça ser completa só me faltou assistir impávido e sereno á tertúlia que se desenvolveu entre o cada vez maior grupo que se juntava para a conquista de um lugar no consultório. Aquilo era um debitar de artroses, reumáticos, hemorróidas, cáries e filhos problemáticos. E cada uma com a obrigação de contar um problema mais impressionante que o anterior. Pena não existir uma modalidade olímpica de “deixa-me contar a desgraça que é a minha vida” que concerteza eu estava perante uns sérios candidatos a medalhas em Pequim.
Bem, o relógio lá avançava, lentamente para o meu desespero, mas finalmente chegaram as oito. Quando o funcionário abriu a porta aquilo é que foi um correr até ao balcão, mas com uma garantia a ser gritada a plenos pulmões: “Eu passei á frente, mas quando sei atrás de quem sou quando começar a marcação”. (Sim, eu já sei desse argumento. Se não abro os olhos passo de numero 5 para o 50!) Bem, consegui a dita marcação e estava pronto para ir para casa tomar o pequeno-almoço a fim de a meio da manhã voltar e ter a consulta, quando a menina diz: Pode já ir para a sala de espera que o Sr. Dr. Vai agora iniciar as consultas.
AGORA?
Tinha logo que me calhar um médico pontual, quando todos começam a consulta lá para as 10 horas? Valha-me Deus! Assim, iniciei a espera com o estômago a rosnar furiosamente. Quando o pessoal olhava para mim com ar interrogativo, eu olhava também para trás para ver de onde vinha o barulho (sempre enganei uma velhota!)
Bem, quando chegou a minha vez, entro e o Sr. Dr. Sorridente manda-me sentar e quando vou abrir a boca para desfilar o rosário de queixas, ele faz-me sinal para esperar um pouco. Vai á gaveta da secretária. Abre-a. Tira um maço de cigarros. Tira um. Acende-o. E com um ar perfeitamente feliz e a atirar fumo para a minha cara diz:
“Então, de que se queixa?”
A minha boca estava preparada para dizer: “Queixar-me? Queixo-me de estar escarrapachado em todo o lado a tabuleta: NÃO FUMAR e aqui levo com este fumo nas trombas! Disso é que me queixo” Mas, o meu cérebro depressa agiu e disse á boca: “Lembra-te do suplício que passas-te para arranjares uma consulta. Queres vir amanhã para repetir a história toda, queres, meu sensívelzinho?” Assim, que prudentemente, falei apenas dos males físicos que devia falar.
Bem, terminada a consulta chego a casa, onde se estranhou tanto tempo para o que devia ter sido uma simples marcação de consulta. E com o cheiro a tabaco na roupa, como convencer alguém de que não tinha ido para um café passar tempo?
12 comentários:
A tua história está o máximo! Desculpa mas não consegui deixar de rir, sobretudo na parte da "tertúlia"!!!
Inspirou-me para um dia destes contar uma história relacionada com esse tipo de manifestações a_minha_doença_é_pior_que_a_tua!!!!
Uau! Isto está muito bem escrito, amigo. Fartei-me de rir com o concurso de doenças, só comparável à comparação de cicatrizes de guerra e outras histórias da tropa. Abraço!
Incrível, mesmo.
Não sei se não teria feito queixa da inqualificável atitude do médico, após a consulta, claro...
Quanto ao rosário de lamentações, só quem não frequenta centros de saúde, o desconhece, pior que isso, só as esperas de vez, num veterinário, em que se fica a saber tudo, mas mesmo tudo de todos os gatos e cães presentes...
Abraço.
é por essa e por outras que tenho seguro de saúde...
Olha, outro que se foi enfiar lá! (é melhor não me queixar que as minhas têm corrido bem - mesmos moldes - e sou daqueles de regime especial, pois!). A última parte é um regresso ao final dos 80 com o pessoal a fumar nos corredores dos hospitais, absolutamente fabuloso (e ainda os há).
Em relação ao dente de sexta fui mesmo a um particular na baixa no mesmo dia que telefonei! Vou voltar várias vezes em setembro!
Abraço bem compri-men-dido!
Tongzhi,
Agora dá para rir, na altura apetecia-me bater em alguém.
LOL
Fico á espera da tua história!
Abraço
Arion,
Obrigado! Por vezes tenho que rir das palhaças que neste pais proliferam.
Abraço amigo!
Pinguim,
Em alguns meios mais pequenos, uma queixa dessas marca-nos e depois a solidariedade profissional deles vira-se contra nós. Já assisti a casos assim. Por isso, cobardemente, calei porque ainda tenho de lá voltar…
Abraço
Unfurry,
Fazes muito bem!
Abraço
Ophiuchus,
Há coisas dos anos 80 que dispensava…
Abraço bem rece_bido!
Arion,
Escrevi "palhaças" e devia ser "palhaçadas".
(pressas...)
Abraço
Essa do desfilar das doenças é tipicamente portuguesa. Lembra-me uma colega minha que adora estar doente. Qualquer arranhão é quase o fim do mundo. Então quando chega o fim do dia e ela começa a coxear cheia de dores, já sabemos que há desculpa para não vir trabalhar no dia a seguir.
Quanto ao médico é de uma conduta completamente inadmissível.
Um abraço.
Eu também só vou ao médico em último recurso (o que é mau, bem sei - razão têm as mulheres que são muito mais preventivas).
Eu tenho médica de família, mas só lá fui uma vez. A mulher é louca. Fui lá queixar-me de uma ruptura de ligamentos e pedir-lhe um P1 para fazer fisioterapia no Hospital da Prelada. A sujeita passou-me um P1 a dizer somente uma única palavra: fisioterapia. Nem onde, nem em que sítio, nem o diabo de quatro. Com médicos de família eficazes como estes, estás a ver a sorte que tens, rsrsrsrs.
Conheces aquele "soquete" dos Gato Fedorento, onde há um concurso entre duas velhas e ganha aquela que tem a doença mais parva e grave? Uma delícia. Claro que na vida real é outro luxo. :D
linda história, sobretudo a parte do tabaco! porque raios havia o médico de fumar no consultório. foi assim há tanto tempo esse janeiro? parece-me demasiado irreal para te ter acontecido e imagino que a explicação não deverá lá ter sido muito credível.
abraço
Paulo,
Data: Janeiro de 2008, depois da famosa proibição!
Local: uma cidade capital de distrito.
Explicação: estaria louco, possesso ou ciente dos privilégios de uma classe superior?
Nome do médico: também te poderia dar...
Abraço
nem acredito! parecia-me cena do século passado! não preciso de nomes, obrigado. só fico estupefacto! onde anda esta gente com a cabeça?
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